segunda-feira, 24 de maio de 2010

PULO BONFIM- SONETOS

O Ar








Em nossa transparência

Os muros da carne.



Em nossa angústia

O vento rebelde.



Em nossa nuvem

O vôo do pássaro.



Em nossa fonte

A água invisível.



Em nossa árvore

A serpente do nada.



Somos o ar

Na torre das palavras.







Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).

In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7

Som Distante



Pela janela aberta para o céu de estrelas,

Penetrou, pelo meu quarto adentro,

O rumor de um corpo que é lançado ao mar!

A eleita de meus sonhos

Teve por última morada

O fundo do Oceano!



Seus cabelos loiros são agora

Mensagens da luz do sol

No abismo das águas.

Seu corpo, muito branco,

Quando livrar-se da mortalha

Que os marinheiros rudes coseram,

Será, na imensa noite oceânica,

Um raio de luar a percorrer abismos.



A eleita de meus sonhos

Teve por última morada

O fundo do Oceano!

Os bancos submersos de corais,

As esverdeadas águas,

Hão de invejar seus lábios rubros

E a cor de seus olhos verdes;

Suas mãos espirituais

Serão estrelas de cinco pontas

Correndo o mundo das águas.



Um corpo amortalhado foi lançado ao mar!

Algo de estranho passou dentro de mim!

Pois sinto-me afastado para sempre

Do círculo vicioso da Esperança!





In: BOMFIM, Paulo. Antônio Triste. Pref. Guilherme de Almeida. Il. Tarsila do Amaral. São Paulo: Martins, 1946

Soneto XVII





[Noites que são galeras cor do tempo]





Noites que são galeras cor do tempo:

Velas de sombra pousam na paisagem,

E o silêncio desperta outro silêncio,

Nos mudos tripulantes que hoje somos!



Noites que são galeras cor da morte:

Quilhas de ônix e grandes remos de ébano,

Revolvem singraduras de luar

No mar atormentado de lembranças!



Noite que são galeras cor do espaço:

Grandes barcos de treva carregados

De abismos e de pétalas de luz!



Noites que são galeras que não voltam:

Um dia chegaremos ao refúgio

Das naus transfiguradas em passado!





Poema integrante da série Sonetos Branco.

In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955

XXIII

[A linguagem do eterno]





A linguagem do eterno

Principia no efêmero.

Em nosso mar

A intuição é pérola.





Poema integrante da série Prelúdios de Inverno.

In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955

"AI DAQUELES'



Ai daqueles que brincam com a esperança de um povo!

Ai daqueles que se banqueteiam junto à fome de seus irmãos!




Ai daqueles que são fúteis numa hora grave,

Indiferentes num momento definitivo!



Ai daqueles que fazem da mentira a verdade de suas vidas!

Ai daqueles que usam os simples como degraus de sua vaidade

e instrumento de sua ambição!



Ai daqueles que fabricam com a violência a trama do medo!



Ai daqueles que usam o dinheiro para prostituir,

humilhar e deformar!



Ai daqueles que se atordoam

para fugir das próprias responsabilidades!



Ai daqueles que traficam a terra de seus mortos enxovalham

tradições e traem compromissos com o presente e com o futuro!



Ai daqueles que se fazem de fracos no instante da tempestade!

Ai daqueles que se acomodam a tudo, que se resignam a tudo,

que se entregam sem lutar!



Ai daqueles que loteiam seus corações, alugam suas consciências,

transacionam com a honra,

especulam com o bem, açambarcam a

felicidade alheia e erguem virtudes falsas sobre pântanos!



Ai daqueles que concordam em morrer vivos!





PAULO BONFIM

ARMORIAL, XI







Por certo hei de cantar esquecimento

Manhãs paulistas onde sou raízes...

Recordações ondulam neste campo

Onde o vento conduz a minha história.



Por certo nascerei em cada folha

Sonhada na madeira das canoas,

E minhas penas brilharão na fronte

De astrais caciques conduzindo noites.



Por certo cantarei pegadas mortas,

Marcando em minha carne seus caminhos

Desbravados em células remotas...



Que estes versos queimados de horizonte,

Falem dialetos puros e selvagens,

Nas manhãs mamelucas que hoje canto.





Paulo Bonfim

SONETO I





No ramo a flor será sempre segredo

Moldando realidades no vazio,

Caminho de perfume, rosa e estio,

Crescendo além dos roseirais do medo.



Histórias das raízes sem enredo ...

Rolam frases de terra pelo rio,

As consoantes de luz tremem de frio

E as vogais orvalhadas morrem cedo.



No ramo a flor será sempre futuro,

Haste e corola nos confins do sonho,

Marcando de infinito a cor do muro ...



Sempre a cor sobre a senda debruçada,

E o perfume crescendo onde reponho

O sentido da flor despetalada.





Paulo Bomfim –

in Sonetos – l.959 - 24/05/08 Maria Madalena

SONETO II





O livro que hoje escrevo foi escrito

Em outro plano estático e diverso,

Sei que morro no fim de cada verso

E renasço no início de outro mito.



Em cada letra tinta de infinito

Há um diálogo mudo que converso

Com nebulosas de meu universo

Onde nasceu a página que dito.



Sei que sou neste instante o que já fui,

E aquilo que recebo agora flui

De um campo superior onde me deito.



Durmo além, nessa plaga que recordo;

Só escrevo neste plano onde hoje acordo,

Aquilo que ainda sonho no outro leito.





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 – 24/05/08 Maria Madalena

SONETO III





Nascer do verso puro e correntio,

Brotar da fonte feita de miragem,

Sentir que em nós, outros espectros agem

Vivendo em nossa pele de arrepio.



Rolar no próprio espanto a voz do rio

Sumindo em chão secreto da mensagem,

Saber que os olhos são também paisagem

Vista de além do céu perdido e frio.



Nascer em cada sopro de universo,

Ser alma navegando o som do verso

Em sílabas de espelho pelo porto.



Chorarmos vida no destino morto;

Sabendo que esse pranto assim convulso

É o tema que hoje bate em nosso pulso.





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 - 29/05/08 Maria Madalena

SONETO IV





Onde guardar a esquiva luz dos fastos

Escritos no papiro das areias?

Longe é o mar, canto verde de sereias,

Mais longe é o tempo com seus campos vastos.



Que memória retém minutos castos

Que a vida foi prendendo em suas teias,

Hoje que a morte passa em nossas veias

Trilhando o sangue dos caminhos gastos!



Agora que as memórias esquecidas

São pássaros batendo asas de fumo

Na sombra que anuncia despedidas ...



Agora, nuvem triste em sol deposto,

Onde guardar a esquiva luz de um rumo,

Se a vida anoitece em nosso rosto!





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena

SONETO V





Alquimia do verbo. Em minha mente

Recriam-se palavras na hora vária,

A poesia se torna necessária

E as flores rememoram a semente.



É preciso que exista novamente

A aventura distante e temerária

De em ouro transformar a dor precária

E em nós deixar correr a lava ardente.



Que emoção profunda e mineral

Corra nos veios desta carne astral

E encontre em mim aquilo que procura.



Na paisagem que for, já sou nascido:

Nas formas criarei o elo perdido,

E, em lucidez, serei minha loucura.





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena

SONETO VI





Sei que fui viandante, o mar, os olhos

Da noite que hoje mora nos cabelos,

Fechei meus passos com noturnos selos

E em desenhos nublados fiz meus sólios.

Sei que sou maresia nos escolhos


Unindo além do sal de tantos elos

Ilhas e continentes, sem perdê-los

Na areia, nas palavras, nos abrolhos.



Sei que seria a vida renascida

Das ondas verdes que já não se espraiam

Na página de sombra já relida.



Sei que serei aquele que convence o

Espanto das estrelas que desmaiam

E acordam transformadas em silêncio.





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena

SONETO VII





Deixa que eu seja o mar unicamente,

Sem praias, sem montanhas de alegria;

- Corta-me os tubos de ar da noite fria,

E não roubes de mim o sal ardente.



Se as ilhas já cantei antigamente,

Hoje canto os segredos sem o dia,

As cavernas de sombra e maresia,

Os céus de espuma desta vida ausente.



Crescendo-me nos pés as nadadeiras,

Leve-me ao fundo de meu próprio mal

A carne destas ondas companheiras ...



Então, nas águas onde tu me deixes,

Pensarei escafandros de cristal,

E as guelras, e as escamas de meus peixes.





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 - 12/06/08 Maria Madalena

SONETO VIII





Este crescer constante das paredes

Onde guardo retratos do infinito,

As tintas apagadas de meu grito

E os lábios de papel bebendo sedes;



Tetos que vão fugindo, onde não credes

Possam viver lanternas de granito,

Luzes astrais surgidas de outro mito

Pescado nas escamas de outras redes;



Paredes que plantei em chãos de outrora,

Onde a paisagem era o fim e o centro,

E as portas davam nos confins da aurora ...



Sei que o teto me foge como as naves:

Agora que se apaga a voz de dentro,

A vida emigra na canção das aves.





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 –

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