quarta-feira, 13 de junho de 2012

Há um cansaço da inteligência abstracta, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento pela emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar com a alma.(..) 43. Livro do Desassossego – Fernando Pessoa
Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até dar o começo. Mas distraio-me e faço.(...) 152 – Livro do Desassossego – Fernando Pessoa

sábado, 26 de maio de 2012

Wender Montenegro

HUMANO DEMAIS Somos pedaços de Deus sob o signo do tempo, corpo de luz esvaído ao frágil sopro das horas, borboleta encarcerada na inércia dos casulos. Somos o verbo inflamado que nem se sabe murmúrio. Sísifos de eras modernas, divisamos, consternados, a queda sem-fim dos dias. Somos ribalta em penumbra, flor de luto, fogo-fátuo, ar rarefeito, centelha que ignora e traz em si a essência da fogueira. Alimárias do universo, erguemos, inconseqüentes, o fardo livre do arbítrio. Somos migalhas do eterno, ouro vulgar de Eldorado, mirante entre turbilhões, luz em mãos de moribundo, face-mistério da lua. Bando de pássaros mudos que ao toque do Ângelus fere um céu sedento de canto, somos razão em delírio, rastro de Halley, sol posto, cenho ferido de morte, água barrenta que esquece o veio de onde jorrara. Somos pedaços de Deus sob o signo do tempo. [poema de Wender Montenegro

sexta-feira, 25 de maio de 2012

CANTIGA Não quebres o encanto da palavra vida. Deixa que a palavra role assim perdida como a própria sombra dessa coisa-vida. Deixa que seu canto se prolongue ainda sobre os mil segredos desta tarde linda, sobre o mar sereno, sobre a praia infinda Há tanto silêncio tanta paz na vida que nem mesmo o tempo com sua arte erguida roubará o encanto da palavra vida. Deixa que a palavra ande assim perdida... - Alguém docemente pensará na vida. Guilherme Mendonça Teles In 'Sintaxe Invisível'

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Antônio Brasileiro

Os instrumentos e ofícios
Este poema talvez não seja feito
para seu ouvido
acostumado às delícias
do pôr-do-sol, dos botões de rosa,
das palavras flácidas.

Este poema anda descalço
veste farrapos
xinga nomes horríveis.
Talvez seu ouvido se recuse
a captar coisas
tão ríspidas. Não importa.

Ele ecoará com seus trapos
sua rispidez sua
imundícia.
Ecoará bem alto
sobre as calçadas, os edifícios
sobre o mar —
e continuará ecoando em
cada onda nas praias
em cada pedra nas praças
em cada lâmina de faca.


- Antônio Brasileiro
in Moderna Poesia Bahiana, Tempo Brasileiro, 1967

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

VEDAS

‎'Criando todas as coisas,ele entrou em tudo.Entrando em todas as coisas, tornou-se o que tem forma e o que é informe; tornou-se o que pode ser definido e o que não pode ser definido; tornou-se o que tem apoio e o que não tem apoio; tornou-se o que é grosseiro e o que é sutil. Tornou-se toda espécie de coisas: por isso os sábios chamam-no Real.''
VEDAS (Unpanichade)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quando
me vejo nu,
carne e tamanho apenas,
sofrendo a garra de algo
que me não orna, nem me afaga

Sinto por dentro um silencio
Que me deixa inda mais nu!
Quando me vejo nu

ao sol que me rói, parado
ao sal que me entra na vida,
ao ar que me desnuda a alma

Fico no mundo sem par,
Desejando me enterrar

Ah que desnudez faminta!
no banheiro, sobre o leito,
em qualquer parte do mundo,
onde se deixe o vestido

É o próprio medo do homem,
que aparece sobre a pele

Mas é tão bom , delicioso
O jôrro de água, o unguento
O perfume, a relva, a seda
De outra carne inda mais nua

Que o terror é esquecido
Por um instante florido!

Só um homem todo nu
Pode acreditar em algo,
Num pássaro azul, em deus
Numa coisa irreversível....

Armindo Trevisan

A LUZ DE TUA PELE

À luz de tua pele invento a noite.
Nela me embrenho até à morte alheia.
Ninguém é mais sozinho do que o açoite
que apaga tua luz, e me incendeia.

Armindo Trevisan