terça-feira, 24 de março de 2009

Después del amor - Miguel Hernández


Después del amor

No pudimos ser. La tierra
no pudo tanto. No somos
cuanto se propuso el sol
en un anhelo remoto.
Un pie se acerca a lo claro,
en lo oscuro insiste el otro.
Porque el amor no es perpetuo
en nadie, ni en mí tampoco.


El odio aguarda un instante
dentro del carbón más hondo.
Rojo es el odio y nutrido.
El amor, pálido y solo.
Cansado de odiar, te amo.
Cansado de amar, te odio.
Llueve tiempo, llueve tiempo.
Y un día triste entre todos,
triste por toda la tierra,
triste desde mí hasta el lobo,
dormimos y despertamos
con un tigre entre los ojos.
Piedras, hombres como piedras,
duros y plenos de encono,
chocan en el aire, donde
chocan las piedras de pronto.
Soledades que hoy rechazan
y ayer juntaban sus rostros.
Soledades que en el beso
guardan el rugido sordo.
Soledades, para siempre.
Soledades sin apoyo.
Cuerpos como un mar voraz
entrechocando, furioso.
Solitariamente atados
el amor, por el odio.
Por las venas surgen hombres,
cruzan las ciudades, sordos.
En el corazón arraiga
Solitariamente todo.
Huellas sin campaña quedan
como en el agua, en el fondo.
Sólo una voz, a lo lejos,
siempre a lo lejos la oigo,
acompaña y hace ir-
igual que el cuello a los hombros.
Sólo una voz me arrebata
este armazón espinoso
de vello retrocedido
y erizado que, me pongo.
Los secos vientos no pueden
secar los mares jugosos.
Y el corazón permanece
fresco en su cárcel de agosto,
porque esa voz es el alma
más tierna de los arroyos.
"Mi fiel: me acuerdo de ti
después del sol y del polvo,
antes de la misma luna,
tumba de un sueño amoroso."
Amor: aleja mi ser
de sus primeros escombros,
y edificándome, dicta
una verdad como un soplo.
Después del amor, la tierra.
Después de la tierra, todo.

Miguel Hernández

Suite No. 1 in G Major: Prelude - Erling Blöndal Bengtsson

Para terminar uma história de amor - Ana Cláudia Saldanha Jácomo.




É preciso coragem para terminar uma história de amor. Coragem para lidar com a dor e ainda assim acreditar na própria habilidade para seguir confiante pela vida, mesmo com uma cicatriz a mais. Coragem para chorar muito, chorar tudo, e ainda assim crer no tempo do sorriso novo. Coragem para dilacerar, a sangue frio, sem promessa de anestésico, o sonho acalentado de ter aquele bem-querer ao nosso lado. O sonho de, ao final do dia, por incontáveis dias, aconchegar-se no abraço bom do outro, maravilhado por sentir que não existe no mundo outra maneira de se dormir tão gostoso. O sonho de acordar junto nas manhãs em que se acorda ensolarado e naquelas em que se acorda chuvoso, mas acordar pertinho. O sonho de ver os cabelos embranquecerem, as mãos envelhecerem, a pele tornar-se cada vez menos viçosa, e, ainda assim, enamorar-se novamente a cada outro olhar.

É preciso coragem para terminar uma história de amor. Coragem para atravessar tempestades terríveis, desertos intensos, noites imensas e, ainda assim, seguir. Mesmo doendo. Mesmo cansando. Coragem para aquietar o próprio coração e lhe dizer que vai passar, quando, na verdade, a gente não tem a mínima idéia de quando nem se vai. Coragem para continuar habitando um corpo que é um campo minado, onde qualquer movimento faz explodir a memória dos sentidos, e com ela o desejo. Coragem para continuar olhando para a vida com olhos saudosos que teimam em encontrar o amado nas coisas mais improváveis e nos momentos mais imprevistos.

É preciso coragem para terminar uma história de amor. Coragem para ouvir do outro, com ou sem palavras, que o que demos foi pouco, quando o tempo todo a gente sentia dar o melhor. Coragem para se desapegar dos códigos, dos hábitos, dos truques inventados. Da ludicidade. Das seduções. Do texto. Da trilha sonora. Dos efeitos especiais. Da intimidade. Coragem para agradecer mais o encontro do que lamentá-lo. Para bendizê-lo. Para abençoá-lo. Para não se tornar mais um pessimista comum que depois de se deliciar com o banquete, afasta-se da mesa reclamando do tempero.

É preciso coragem para terminar uma história de amor. E por mais que machuque, entristeça e dilacere, chega um momento em que a gente sabe que não há outra alternativa, senão ter coragem para baixar as armas cansadas. Para anunciar o cessar-fogo. Para hastear bandeira branca. Para parar de brincar de vítima e algoz. De gato e rato. De queda de braço. É preciso coragem para retomar a própria vida. Para reaprender a estar consigo mesmo. Para se permitir começar tudo de novo, quando o novo vier. Para não se fechar o coração à perspectiva de que aconteça essa que é uma das melhores dádivas: amar e ser amado, olhar e ser olhado, ao mesmo tempo.

Amar é um desafio dos grandes e dos bons. Pede que a gente cresça junto e leve luz a um monte de sombras. Às vezes, a gente consegue; outras, não. Uma história de amor é coragem de dois.
Para terminar uma história de amor - Ana Cláudia Saldanha Jácomo.

Menotti Del Picchia


Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.

Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.

Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão,
se pressentires que amanhã estarás mudo,
esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta.

Canta!
Canta para conservar uma ilusão de festa e de vitória.

Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro.

Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo do céu?

Que importa a rota.
Voa e canta, enquanto resistirem as asas.

(Menotti Del Picchia)

Dalai Lama


O que mais nos incomoda é ver nossos sonhos frustrados.
Mas permanecer no desânimo não ajuda em nada
para a concretização desses sonhos.
Se ficamos assim, nem vamos em busca dos nossos sonhos,
nem recuperamos o bom humor!
Este estado de confusão, propício ao crescimento da ira, é muito perigoso.
Temos de nos esforçar e não permitir que a nossa serenidade seja perturbada.
Quer estejamos vivenciando um grande sofrimento,
ou já o tenhamos experimentado,
não há razão para alimentarmos o sentimento de infelicidade.
Dalai Lama

CREPUSCULAR - José Lannes


'CREPUSCULAR'

Crepúsculo da tarde, esta agonia
de cores meigas e de luz magoada
não a compreende a mente rude e fria,
onde a ilusão e a dor não têm pousada.

Mas à alma sonhadora e amargurada
bem familiar é a tua nostalgia:
- Efêmera saudade eternizada
na velhice infantil de cada dia ...

Cada dia a morrer eternamente,
é como o sol que agora já não arde
esta minha alegria descontente.

Ante o cair da noite muda e calma,
é como tu, crepúsculo da tarde,
sempre triste gêmeo de minha alma ...

José Lannes
in Candeia – l.948.

Canto de Quase Inverno -A. Severo Netto


Canto de Quase Inverno

Bêbado de silêncio e de distância
de tempo pré-velhice e pós-infância
diagonalizei-me em desvario
Fui de mim mesmo alga e cogumelo
transfixando amarra, laço e elo
na plenicarne vasta do vazio

Sufocado de treva e desencanto
de tempo pré-raiz e pós-espanto
verticalizei-me em desatino
Fui de mim mesmo início, fim e meio
trajado de amarelo desnorteio
louco sextante sem mostrar destino

Cansado de aclive e de abandono
de tempo pré-inverno e pós-outono
horizontalizei-me em desconforto
Fui de mim mesmo imagem, sombra e medo
despí-me de alarde e de segredo
colhí as velas...
...e arribei ao porto.

A. Severo Netto (Augusto 1976)

Cântico XVII - Cecilia Meireles


Cântico XVII



Perguntarão pela tua alma.
A alma que é ternura,
bondade,
tristeza,
amor.
Mas tu mostrarás a curva do teu vôo
livre, por entre os mundos...
E eles compreenderão que a alma pesa.
Que é um segundo corpo,
e mais amargo,
porque não se pode mostrar,
por que não se pode ver.



Cecília Meireles

Caminhos - Camilo Pessanha


Caminhos
(Camilo Pessanha)
I

Tenho sonhos crueis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmair sobre a ponte,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.


II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro - te saudei.
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como rocha dum calvário,
E queima como areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.


III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.

CANTARES - Juan Manuel Serrat

Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar. Nunca persequí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.

Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse...

Nunca perseguí la gloria.

Caminante son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino
se hace camino al andar.

Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso.

Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso.

Cuando el jilguero no puede cantar
cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.

"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso.


BONS AMIGOS


BONS AMIGOS

Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!
Machado de Assis

Jack Kerouac


"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam."

Jack Kerouac

PASSAGEM DAS HORAS


PASSAGEM DAS HORAS

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardafui...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

(...)


Álvaro de Campos

Confissão


Confissão

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

(Mário Quintana)

Recordo ainda


Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
Mario Quintana

Emergência


EMERGÊNCIA
 
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
 
Mario Quintana

terça-feira, 17 de março de 2009

Quem sabe isso quer dizer amor...


Cheguei a tempo de te ver acordar
Eu vim correndo a frente do sol
Abri a porta e antes de entrar,
revi a vida inteira
Pensei em tudo que é possível falar
Que sirva apenas para nós dois
Sinais de bem desejos vitais
Pequenos fragmentos de luz
Falar da cor dos temporais
De céu azul das flores de abril
Pensar além do bem do mal
Lembrar de coisas que ninguém viu
O mundo lá sempre a rodar
Em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor,
estrada de fazer o sonho acontecer
Pensei no tempo e era tempo de mais
E você olhou sorrindo pra mim
Me acenou um beijo de paz
Virou minha cabeça
Eu simplesmente não consigo parar
Lá fora o dia já clareou
Mas se você quiser transformar
O ribeirão em braço de mar
Você vai ter que encontrar
Aonde nasce a fonte do ser
E perceber meu coração
Bater mais forte só por você
O mundo lá sempre a rodar
Em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor,
estrada de fazer o sonho acontecer..."

segunda-feira, 16 de março de 2009

Mario Quintana - Esconderijos do Tempo


SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS
"A vida são deveres que nós
trouxemos pra fazer em casa.
Quando se vê já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora, é tarde demais
para ser reprovado...
Se me fosse dado, um dia,
outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada
e inútil das horas... "

Mario Quintana - Esconderijos do Tempo - 1980

Roseana Murray


Como se fosse fácil,
eu me divido em dois
e enquanto a metade fica
bordando invisíveis luares,
a outra, que também sou eu,
anda solta pelos mares.

E enquanto a metade fica
trançando o azul das tardes,
a outra, que também sou eu,
anda louca pelos ares.

Roseana Murray,
Recados do corpo e da alma

Camilo Pessanha


Caminhos
(Camilo Pessanha)
I

Tenho sonhos crueis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmair sobre a ponte,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.


II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro - te saudei.
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como rocha dum calvário,
E queima como areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.


III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.

Mario Quintana


Os Invasores
Há muito que os marcianos invadiram o mundo:
são os poetas
e
como não sabem nada de nada
limitam-se a ter os olhos muito abertos
e a disponibilidade de um marinheiro em terra...
Eles não sabem nada nada
- e só por isso é que descobrem tudo.

A vaca e o hipogrifo
Mario Quintana

Miguel Afonso


Gaivotas
As gaivotas que me ensinaram a voar
Há dias em que algo me roí cá por dentro.
Há dias em que este roer faz um barulho ensurdecedor.
Há dias em que este roí aqui, roí ali, começa por ser uma moinha e acaba por se tornar numa dor quase insuportável.
Nesses dias agito as minhas asas.
Primeiro me recordar que sei voar.
Depois de avivada a memória é simples: Voo.
Voo.
Voo por ai.
Hoje vou voar até que as asas me doam.

Ultimamente tenho pensado muito nos inícios e nos fins.
Em como os inícios são consequência directa ou indirecta de um fim que o antecedeu.
Em como os fins dão origem a inícios (...)

Miguel Afonso

Dalai Lama


O que mais nos incomoda é ver nossos sonhos frustrados.
Mas permanecer no desânimo não ajuda em nada
para a concretização desses sonhos.
Se ficamos assim, nem vamos em busca dos nossos sonhos,
nem recuperamos o bom humor!
Este estado de confusão, propício ao crescimento da ira, é muito perigoso.
Temos de nos esforçar e não permitir que a nossa serenidade seja perturbada.
Quer estejamos vivenciando um grande sofrimento,
ou já o tenhamos experimentado,
não há razão para alimentarmos o sentimento de infelicidade.
Dalai Lama

Menotti Del Picchia


Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.

Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.

Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão,
se pressentires que amanhã estarás mudo,
esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta.

Canta!
Canta para conservar uma ilusão de festa e de vitória.

Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro.

Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo do céu?

Que importa a rota.
Voa e canta, enquanto resistirem as asas.

(Menotti Del Picchia)

Álvaro de Campos

PASSAGEM DAS HORAS

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardafui...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

(...)


Álvaro de Campos

Thiago Mello

Naldo Velho

Cruz e Souza

Legado

domingo, 15 de março de 2009

Fernando Pessoa


Temos que descansar temporariamente de nós,
olhando-nos de longe e de cima e,
de uma distância artística,
rindo sobre nós ou chorando sobre nós:
temos de descobrir o herói, assim como o parvo,
que reside em nossa paixão pelo conhecimento,
temos de alegrar-nos vez por outra com nossa tolice,
para podermos continuar alegres com nossa sabedoria."

Friedrich Nietzsche

Tudo vive em mim.Tudo se entranha
Na minha tumultuada vida.E por isso
Não te enganas,homem,meu irmão,
Quando dizes na noite,que só a mim me vejo
Vendo-me a mim,a ti.E a esses que passam
Nas manhãs,carregados de medo,de pobreza,
O olhar aguado,todos eles em mim,
Porque o poeta é irmão do escondido das gentes
Descobre além da aparência,é antes de tudo
LIVRE,e por isso conhece.Quando o poeta fala
Fala do seu quarto,não fala do palanque,
Não está no comício,não deseja riqueza
Não barganha,sabe que o ouro é sangue
Tem olhos no espírito do homem
No possível infinito.Sabe de cada um
A própria fome.E porque é assim,eu te peço:
Escuta-me.Olha-me.Enquanto vive um poeta
O homem está vivo.

Hilda Hilst

Noções


Noções



Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada Lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Vir-me-ei sobre minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é que é alma:
qualquer coisa que flutua por este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano
sobre a areia passiva e inúmera...


Cecília Meireles

Ilhas


ILHAS
Somos ilhas no mar desconhecido.
O grande mar nos une e nos separa.

Fala de longe o aceno leve das palmeiras.
Mensagens se alongam nas líquidas veredas.
Cada penhasco é tão sozinho e diferente!
Ninguém consegue partilhar a solidão.
Ilhas no grande mar, aprisionadas,
Apenas o perfil das outras ilhas vemos.
Só Deus conhece nossa exata dimensão...
(Helena Kolody)

Silêncios


Silêncios

Largos Silêncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.

Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.

Ó Silêncios! ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais límpido cortejo...

Eu vos sinto os mistérios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!

Cruz e Souza

Canto de Quase Inverno


Canto de Quase Inverno

Bêbado de silêncio e de distância
de tempo pré-velhice e pós-infância
diagonalizei-me em desvario
Fui de mim mesmo alga e cogumelo
transfixando amarra, laço e elo
na plenicarne vasta do vazio

Sufocado de treva e desencanto
de tempo pré-raiz e pós-espanto
verticalizei-me em desatino
Fui de mim mesmo início, fim e meio
trajado de amarelo desnorteio
louco sextante sem mostrar destino

Cansado de aclive e de abandono
de tempo pré-inverno e pós-outono
horizontalizei-me em desconforto
Fui de mim mesmo imagem, sombra e medo
despí-me de alarde e de segredo
colhí as velas...
...e arribei ao porto.

A. Severo Netto (Augusto 1976)

VERSOS QUE FIZ


VERSOS QUE FIZ
Há versos que fiz de dores,
outros me inspirou a alegria.
Teço sofisticadas imagens
de luas no céu e no chão,
refletidas nas poças d’água
da fria chuva da madrugada.
Escrevi versos de desejo
fixando o olhar num retrato
e o pensamento no infinito,
nas horas em que o silêncio maciço
ondula diante dos meus olhos
lembrando ancas luxuriosas.
Ousei, fui mais atrevida,
versejei a partir dum sonho,
um corpo em repouso no leito
e uma boca a beijar-me o seio.
Cristalizei letras e vocábulos
do quebra-cabeça da linguagem
com eles construí poemas de fogo,
de presenças, de ausências
e de visão metafórica
do sono eterno da morte.
Mostrou-me, a musa, sombras,
vôos de feixes de luz,
aguçou meu exotismo,
desnudou meu erotismo
plasmando-o em cada palavra
dos versos que já fiz.


Maria Hilda de J. Alão