tag:blogger.com,1999:blog-25911517354828212052024-03-05T10:47:07.169-08:00TEXTURA DAS LETRASNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.comBlogger351125tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-21368250139197231022012-06-13T20:23:00.001-07:002012-06-13T20:23:49.339-07:00Há um cansaço da inteligência abstracta, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento pela emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar com a alma.(..)
43. Livro do Desassossego – Fernando PessoaNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-39183764902521872332012-06-13T20:22:00.001-07:002012-06-13T20:22:52.873-07:00Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até dar o começo. Mas distraio-me e faço.(...)
152 – Livro do Desassossego – Fernando Pessoa
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjH7twq3l3i-o9jFcuS8leM4FcqZtAf_OvZ41Udf6tTMKes1F3yx8i8K85Na2bH6xORSdvSXTODOAW1m1JUbX7cOp4kXMie3i39_ZFHRIgpVCdq9RBcr2rwaj0WQ-Yqs31jirqLu7q3lA/s1600/CANSAO%257E1.JPG" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="255" width="328" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjH7twq3l3i-o9jFcuS8leM4FcqZtAf_OvZ41Udf6tTMKes1F3yx8i8K85Na2bH6xORSdvSXTODOAW1m1JUbX7cOp4kXMie3i39_ZFHRIgpVCdq9RBcr2rwaj0WQ-Yqs31jirqLu7q3lA/s400/CANSAO%257E1.JPG" /></a>Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-21599440538817544462012-05-26T18:41:00.001-07:002012-05-26T18:41:41.205-07:00Wender MontenegroHUMANO DEMAIS
Somos pedaços de Deus
sob o signo do tempo,
corpo de luz esvaído
ao frágil sopro das horas,
borboleta encarcerada
na inércia dos casulos.
Somos o verbo inflamado
que nem se sabe murmúrio.
Sísifos de eras modernas,
divisamos, consternados,
a queda sem-fim dos dias.
Somos ribalta em penumbra,
flor de luto, fogo-fátuo,
ar rarefeito, centelha
que ignora e traz em si
a essência da fogueira.
Alimárias do universo,
erguemos, inconseqüentes,
o fardo livre do arbítrio.
Somos migalhas do eterno,
ouro vulgar de Eldorado,
mirante entre turbilhões,
luz em mãos de moribundo,
face-mistério da lua.
Bando de pássaros mudos
que ao toque do Ângelus fere
um céu sedento de canto,
somos razão em delírio,
rastro de Halley, sol posto,
cenho ferido de morte,
água barrenta que esquece
o veio de onde jorrara.
Somos pedaços de Deus
sob o signo do tempo.
[poema de Wender MontenegroNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-49014417293839832802012-05-25T07:50:00.001-07:002012-05-25T07:50:43.534-07:00CANTIGA
Não quebres o encanto
da palavra vida.
Deixa que a palavra
role assim perdida
como a própria sombra
dessa coisa-vida.
Deixa que seu canto
se prolongue ainda
sobre os mil segredos
desta tarde linda,
sobre o mar sereno,
sobre a praia infinda
Há tanto silêncio
tanta paz na vida
que nem mesmo o tempo
com sua arte erguida
roubará o encanto
da palavra vida.
Deixa que a palavra
ande assim perdida...
- Alguém docemente
pensará na vida.
Guilherme Mendonça Teles
In 'Sintaxe Invisível'
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUNLPYgh9tBxQTKO1IngzEUTOXerqea7i91Tn1aWqWvht7i5ZK89zYR7daOww2kAaBxa7Okb_iT2r5WCh1DbX3Mahp7zeGe_S20sSOTUlYPYqM1tybOLAtHIvPrL4lkwVUr112tqgB1hA/s1600/antonioleao2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="266" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUNLPYgh9tBxQTKO1IngzEUTOXerqea7i91Tn1aWqWvht7i5ZK89zYR7daOww2kAaBxa7Okb_iT2r5WCh1DbX3Mahp7zeGe_S20sSOTUlYPYqM1tybOLAtHIvPrL4lkwVUr112tqgB1hA/s400/antonioleao2.jpg" /></a></div>Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-70069438433892958742012-04-06T16:16:00.001-07:002012-04-06T16:16:35.067-07:00Antônio BrasileiroOs instrumentos e ofícios<br />
Este poema talvez não seja feito<br />
para seu ouvido<br />
acostumado às delícias<br />
do pôr-do-sol, dos botões de rosa,<br />
das palavras flácidas.<br />
<br />
Este poema anda descalço<br />
veste farrapos<br />
xinga nomes horríveis.<br />
Talvez seu ouvido se recuse<br />
a captar coisas<br />
tão ríspidas. Não importa.<br />
<br />
Ele ecoará com seus trapos<br />
sua rispidez sua<br />
imundícia.<br />
Ecoará bem alto<br />
sobre as calçadas, os edifícios<br />
sobre o mar —<br />
e continuará ecoando em<br />
cada onda nas praias<br />
em cada pedra nas praças<br />
em cada lâmina de faca.<br />
<br />
<br />
- Antônio Brasileiro<br />
in Moderna Poesia Bahiana, Tempo Brasileiro, 1967Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-20550438500388475682012-02-08T15:46:00.000-08:002012-02-08T15:46:55.620-08:00VEDAS'Criando todas as coisas,ele entrou em tudo.Entrando em todas as coisas, tornou-se o que tem forma e o que é informe; tornou-se o que pode ser definido e o que não pode ser definido; tornou-se o que tem apoio e o que não tem apoio; tornou-se o que é grosseiro e o que é sutil. Tornou-se toda espécie de coisas: por isso os sábios chamam-no Real.'' <br />
VEDAS (Unpanichade)<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH5qj8Hsu4Vm4q41cd5EsDM7FOQ46PiAM0tL66h7UHBEefsJ75eocJsZePjQc-ieHT4EKuwehNNLdTQS55DDke_KrKOmlUHqF4rrAKE84BxNU3ZDqrl1ugTZeIB6LcPtFSG1UGv3pzJjo/s1600/ilusaodeotica_74.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="395" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH5qj8Hsu4Vm4q41cd5EsDM7FOQ46PiAM0tL66h7UHBEefsJ75eocJsZePjQc-ieHT4EKuwehNNLdTQS55DDke_KrKOmlUHqF4rrAKE84BxNU3ZDqrl1ugTZeIB6LcPtFSG1UGv3pzJjo/s400/ilusaodeotica_74.jpg" /></a></div>Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-46135637447443150362012-01-30T07:40:00.001-08:002012-01-30T07:40:44.588-08:00Quando <br />
me vejo nu, <br />
carne e tamanho apenas, <br />
sofrendo a garra de algo <br />
que me não orna, nem me afaga <br />
<br />
Sinto por dentro um silencio <br />
Que me deixa inda mais nu! <br />
Quando me vejo nu <br />
<br />
ao sol que me rói, parado <br />
ao sal que me entra na vida, <br />
ao ar que me desnuda a alma <br />
<br />
Fico no mundo sem par, <br />
Desejando me enterrar <br />
<br />
Ah que desnudez faminta! <br />
no banheiro, sobre o leito, <br />
em qualquer parte do mundo, <br />
onde se deixe o vestido <br />
<br />
É o próprio medo do homem, <br />
que aparece sobre a pele <br />
<br />
Mas é tão bom , delicioso <br />
O jôrro de água, o unguento <br />
O perfume, a relva, a seda <br />
De outra carne inda mais nua <br />
<br />
Que o terror é esquecido <br />
Por um instante florido! <br />
<br />
Só um homem todo nu <br />
Pode acreditar em algo, <br />
Num pássaro azul, em deus <br />
Numa coisa irreversível.... <br />
<br />
Armindo Trevisan<br />
<br />
A LUZ DE TUA PELE<br />
<br />
À luz de tua pele invento a noite.<br />
Nela me embrenho até à morte alheia.<br />
Ninguém é mais sozinho do que o açoite<br />
que apaga tua luz, e me incendeia. <br />
<br />
Armindo Trevisan<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaLwEGojHyLY55A-5UVgM9IMA-doj7KMoqfXcklcWj1WkiIcMSh49ZDlYv8dcTIORcnhay2FWq9XpScZ8tFX0k7xdU54z3diWou1sMg1CjxfP6EZDDl_TqRloUN_bRKgi54-0DLq1nx7g/s1600/ac.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="356" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaLwEGojHyLY55A-5UVgM9IMA-doj7KMoqfXcklcWj1WkiIcMSh49ZDlYv8dcTIORcnhay2FWq9XpScZ8tFX0k7xdU54z3diWou1sMg1CjxfP6EZDDl_TqRloUN_bRKgi54-0DLq1nx7g/s400/ac.jpg" /></a></div>Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-17976672117509730762012-01-30T07:37:00.001-08:002012-01-30T07:39:31.085-08:00Mario QuintanaPEQUENO ESCLARECIMENTO <br />
<br />
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês. <br />
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo <br />
<br />
Canção do dia de sempre <br />
<br />
<br />
Tão bom viver dia a dia... <br />
A vida assim, jamais cansa... <br />
<br />
Viver tão só de momentos <br />
Como estas nuvens no céu... <br />
<br />
E só ganhar, toda a vida, <br />
Inexperiência... esperança... <br />
<br />
E a rosa louca dos ventos <br />
Presa à copa do chapéu. <br />
<br />
Nunca dês um nome a um rio: <br />
Sempre é outro rio a passar. <br />
<br />
Nada jamais continua, <br />
Tudo vai recomeçar! <br />
<br />
E sem nenhuma lembrança <br />
Das outras vezes perdidas, <br />
Atiro a rosa do sonho <br />
Nas tuas mãos distraídas... <br />
<br />
Mario Quintana <br />
PRESENÇA <br />
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,<br />
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento<br />
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...<br />
É preciso que a tua ausência trescale<br />
sutilmente, no ar, a trevo machucado,<br />
as folhas de alecrim desde há muito guardadas<br />
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...<br />
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela<br />
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.<br />
É preciso a saudade para eu sentir<br />
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...<br />
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista<br />
que nunca te pareces com o teu retrato...<br />
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.<br />
Mario Quintana<br />
<br />
ARTE POÉTICA <br />
Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um. <br />
Mario Quintana (Caderno H)<br />
--------------------------------------------------------<br />
LIÇÃO DE SER..POETA<br />
A VOZ<br />
Ser poeta não é dizer grandes coisas, mas ter uma voz reconhecível dentre todas as outras.<br />
Mario Quintana (Caderno H) <br />
<br />
-------------------------------------------------<br />
[CARTA <br />
<br />
Meu caro poeta, <br />
Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano<br />
O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos! <br />
Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.<br />
A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.<br />
Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade. <br />
Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas. <br />
Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família. <br />
Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado? <br />
<br />
Mario Quintana<br />
-------------------------------------<br />
A COISA <br />
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita. <br />
<br />
Mario Quintana (Caderno H)Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-41879240876182778112012-01-30T07:34:00.001-08:002012-01-30T07:36:10.666-08:00Cecília MeirelesPor aqui vou sem programa, sem rumo,<br />
sem nenhum itinerário.<br />
O destino de quem ama é vário,<br />
como o trajeto do fumo.<br />
<br />
Minha canção vai comigo.<br />
Vai doce.<br />
Tão sereno é seu compasso<br />
que penso em ti, meu amigo.<br />
- Se fosse, em vez da canção, teu braço!<br />
<br />
Ah! mas logo ali adiante - tão perto!- acaba-se a terra bela.<br />
Para este pequeno instante, decerto, é melhor ir só com ela.<br />
<br />
(Isto são coisas que digo, que invento,<br />
para achar a vida boa... <br />
A canção que vai comigo é a forma de esquecimento<br />
do sonho sonhado à toa...) <br />
<br />
Cecília Meireles<br />
------------------------------------------------------<br />
TRÊS ORQUÍDEAS<br />
<br />
<br />
<br />
As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.<br />
Elas são alvas, toda pureza,<br />
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.<br />
<br />
Que dia? que dia? dói-me a sua brevidade.<br />
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem como eu as vejo.<br />
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?<br />
Mas eu amo o terno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.<br />
<br />
As três orquídedas brancas eu sonharia que durassem,<br />
com sua nervura humana,<br />
seu colorido de veludo,<br />
a graça leve do seu desenho,<br />
o tênue caule de tão delicado verde.<br />
Que elas não vêem o mundo, que o muno as visse.<br />
Quem pode deixar de sentir sua beleza?<br />
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento. <br />
E apira sobre elas a gentileza igualmente frágil, <br />
a gentlileza floril <br />
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.<br />
<br />
Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda<br />
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,<br />
que escrevo para perdurares em palavras,<br />
pois desejaria que para sempre vos soubessem,<br />
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)<br />
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.<br />
<br />
<br />
Cecília Meireles<br />
-------------------------------------------------------<br />
CANÇÃO MÍNIMA <br />
<br />
<br />
No mistério do sem-fim <br />
equilibra-se um planeta. <br />
<br />
E, no planeta, um jardim, <br />
e, no jardim, um canteiro; <br />
no canteiro uma violeta, <br />
e, sobre ela, o dia inteiro, <br />
<br />
entre o planeta e o sem-fim, <br />
a asa de uma borboleta. <br />
<br />
<br />
<br />
Cecília Meireles<br />
Publicado no livro "Antologia Poética" de l.963<br />
<br />
-------------------------------------------<br />
EPIGRAMA N°5<br />
<br />
<br />
Gosto da gota d'água que se equilibra <br />
na folha rasa, tremendo ao vento. <br />
<br />
Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra: <br />
e ela resiste, no isolamento. <br />
<br />
Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto: <br />
pronto a cair, pronto a ficar - límpido e exacto. <br />
<br />
E a folha é um pequeno deserto <br />
para a imensidade do acto. <br />
<br />
<br />
<br />
Cecília Meireles, <br />
Viagem <br />
<br />
---------------------------------------<br />
<br />
INSCRIÇÃO<br />
<br />
<br />
Sou entre flor e nuvem,<br />
estrela e mar.<br />
Por que havemos de ser unicamente humanos,<br />
limitados em chorar?<br />
Não encontro caminhos<br />
fáceis de andar<br />
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras<br />
que não sabem de água e de ar<br />
E por isso levito.<br />
É bom deixar<br />
um pouco de ternura e encanto indiferente<br />
de herança,em cada lugar.<br />
Rastro de flor e estrela,<br />
nuvem e mar.<br />
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:<br />
a sombra é que vai devagar.<br />
<br />
<br />
Cecília MeirelesNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-5725365451265963622012-01-30T07:33:00.001-08:002012-01-30T07:33:41.106-08:00Eduardo CarranzaANDA O TEMPO'<br />
<br />
<br />
Olha o tempo, caído nessas pétalas<br />
e evaporado nessas vagas nuvens,<br />
olha-o no olhar e no sorriso<br />
em que os belos rostos se desfolham.<br />
<br />
Anda o tempo, anda o tempo, o sem-cessar<br />
abrindo flores e fechando pálpebras;<br />
com pés de névoa e de silêncio anda<br />
frutas e corações amadurecendo.<br />
<br />
Ouve o passo do tempo como pisa<br />
meu coração, as uvas e os sonhos;<br />
ouve o rio do tempo como cruza<br />
terras floridas, jovens comarcas...<br />
<br />
Vem, senta-te à direita de minha alma,<br />
à margem do rio do crepúsculo,<br />
e oponhamos ao tempo, ao inimigo,<br />
a doçura de sermos dois na tarde. <br />
<br />
<br />
Eduardo Carranza<br />
In: Antologia PoéticaNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-14933954082539543672012-01-30T07:32:00.001-08:002012-01-30T07:32:36.375-08:00João Guimarães RosaGuimarães Rosa<br />
...<br />
<br />
<br />
O correr da vida embrulha tudo,<br />
a vida é assim: esquenta e esfria,<br />
aperta e daí afrouxa, sossega e<br />
depois desinquieta. O que ela<br />
quer da gente é coragem.<br />
<br />
<br />
João Guimarães Rosa <br />
<br />
"Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de <br />
estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou,amigo,é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é." <br />
<br />
"Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas."<br />
<br />
João Guimarães RosaNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-56960850920122120872012-01-30T07:31:00.003-08:002012-01-30T07:31:38.082-08:00Amálio PinheiroPOEMA<br />
<br />
Ébrio de seios, incerto de contornos,<br />
vou cortando a segunda-feira<br />
com meus dentes cerrados. <br />
<br />
Vou contra os ossos da tarde<br />
como um bêbado vai contra seus muros<br />
como a alma procura suas tábuas<br />
como a terra buscando seus enterros. <br />
<br />
Acaricio as lâminas da vida,<br />
sou gumes cortando o meio-dia,<br />
vou contra os esqueletos da tarde:<br />
sou vento sul, latido, chuva miúda,<br />
meus dentes beijam lápides e facas<br />
e ferrugens e azinhavres tristes de cozinha. <br />
<br />
(Beijos como cotovelos cansados<br />
que sangram nas amuradas tardias.<br />
Beijos a golpes, beijos contra.<br />
Beijos dente a dente, como morder<br />
um bom pedaço de história,<br />
ou descobrir um fóssil com um signo.<br />
Como ir-se de encontro às pedras<br />
mais de dentro, pisando as ternuras.<br />
Como escutar a alma se chocando<br />
osso a osso, contra as paredes do tempo.) <br />
<br />
<br />
Amálio Pinheiro<br />
(de "Tempo solto", 1972)Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-28230920407681405522012-01-30T07:30:00.000-08:002012-01-30T07:30:25.291-08:00GILBERTO MENDONÇA TELESGILBERTO MENDONÇA TELES<br />
Criação <br />
<br />
<br />
<br />
O verbo nunca esteve no início <br />
dos grandes acontecimentos. <br />
No início estamos nós, sujeitos <br />
sem predicados, <br />
tímidos, <br />
embaraçados, <br />
às voltas com mil pequenos problemas <br />
de delicadezas, <br />
de tentativas e recuos, <br />
neste jogo que se improvisa à sombra <br />
do bem e do mal. <br />
<br />
<br />
No início estão as reticências, <br />
este-querer-não-querendo, <br />
os meios-tons, <br />
a meia-luz, <br />
os interditos <br />
e as grandes hesitações <br />
que se iluminam <br />
e se apagam de repente. <br />
<br />
<br />
No início não há memória nem sentença, <br />
apenas um jeito do coração <br />
enunciar que uma flor vai-se abrindo <br />
como um dia de festa, ou de verão. <br />
<br />
-----------------------------------<br />
No início ou no fim (tudo é finício) <br />
a gente se lembra de que está mesmo com Deus <br />
à espera de um grande acontecimento, <br />
mas nunca se dá conta de que é preciso <br />
ir roendo, <br />
roendo, <br />
roendo <br />
um osso duro de roer. <br />
<br />
<br />
GILBERTO MENDONÇA TELES<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0wwBJMbiSQtbS6qTCGsWuz3_HZs9VOeE9OhSFTu9b53r3oJHgD0vHDplAkGBSQEpMA8yaB9tgHCdHpLxvTHaRFsxOS7051RNiFiFGIl-CW1V2D1F7KYgO8ZM4lKpCkgsWHlEOTRl1gVU/s1600/gmt.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="356" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0wwBJMbiSQtbS6qTCGsWuz3_HZs9VOeE9OhSFTu9b53r3oJHgD0vHDplAkGBSQEpMA8yaB9tgHCdHpLxvTHaRFsxOS7051RNiFiFGIl-CW1V2D1F7KYgO8ZM4lKpCkgsWHlEOTRl1gVU/s400/gmt.jpg" /></a></div>Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-38684517701153054172012-01-30T07:27:00.003-08:002012-01-30T07:27:11.060-08:00Alphonsus de Guimaraens FilhoA Todos os Poetas<br />
<br />
A todos vós que um dia pressentistes<br />
os passos alumbrados da poesia<br />
na vossa alma soar — saudoso dia<br />
que mais humanos, graves, e mais tristes<br />
<br />
para sempre vos fez... A todos vós<br />
que, amando, o amor sentistes impossível,<br />
que, vendo o mundo, amastes o invisível,<br />
e, ouvindo o canto, ouvistes nele a voz<br />
<br />
de um reino imerso em névoa como clara<br />
ilha na solidão... E deslumbrados<br />
as palavras no vácuo erguestes para<br />
<br />
reanimá-las e reacendê-las,<br />
a todos vós o céu acolhe, consolados<br />
pela luz da mais casta entre as estrelas.<br />
<br />
<br />
Alphonsus de Guimaraens Filho<br />
In Sonetos com dedicatória (1956).<br />
<br />
DOS POEMAS <br />
<br />
Não de vento os formei, mas do meu barro.<br />
Não lhes dei sentimento, mas meu sangue.<br />
Acolhe-os, pois, ainda que sejam turvo<br />
rio a cruzar as terras que erigiste<br />
no teu sonho maior, mesmo que sejam<br />
somente um vago eco, um arfar penoso<br />
de barro, solidão, de cinza e sangue.<br />
<br />
Alphonsus de Guimaraens Filho<br />
<br />
SONETO <br />
<br />
A uma réstia de sonho chamam vida.<br />
A uma sombra maior chamam-lhe morte.<br />
Vida e morte, não mais, pouso e suporte,<br />
sopro de permanência e despedida.<br />
<br />
Uma treva febril noite é chamada.<br />
A uma luz mais febril chamam-lhe dia.<br />
E entre elas se põe a estrela fria<br />
que irrompe como flor da madrugada.<br />
<br />
Paira em tudo um silêncio que anoitece,<br />
que amanhece, e que vence todo ruído,<br />
e como sol não visto num perdido<br />
horizonte se esfaz e se retece.<br />
<br />
Tudo é longe demais, por demais perto.<br />
E a alma, que faz neste feroz deserto?<br />
<br />
Alphonsus de Guimaraens FilhoNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-75268474727913970872012-01-27T04:38:00.001-08:002012-01-27T04:38:27.590-08:00MILAN KUNDERAOutrora, eu também considerei o futuro como único juiz<br />
<br />
competente de nossas obras e de nossos atos.<br />
<br />
Mais tarde é que compreendi que o namoro com o futuro<br />
<br />
é o pior dos conformismos, a covarde adulação do mais forte.<br />
<br />
Pois o futuro é sempre mais forte que o presente.<br />
<br />
É realmente ele, com efeito, que nos julgará.<br />
<br />
E, certamente, sem nenhuma competência.<br />
<br />
<br />
<br />
MILAN KUNDERANancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-82187366302619829592012-01-27T04:37:00.003-08:002012-01-27T04:37:50.339-08:00Dostoiévskienta uma experiência e constrói um palácio. Equipa-o com mármore, quadros,<br />
<br />
ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas…<br />
<br />
E entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair de lá.<br />
<br />
Talvez, de fato, nunca mais saísses de lá. Tudo está lá!<br />
<br />
"Estou muito bem aqui sozinho!".<br />
<br />
Mas, de repente — uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros,<br />
<br />
e é-te dito: “Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!".<br />
<br />
Então, creia-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu<br />
<br />
paraíso e pular por cima do muro. Ainda mais!<br />
<br />
Todo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento.<br />
<br />
Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo…<br />
<br />
Sim, apenas uma coisa te falta: um pouco de liberdade!<br />
<br />
Um pouco de liberdade e um pouco de liberdade.<br />
<br />
<br />
<br />
(Fiódor Mikhailovich Dostoiévski)Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-33624437043858276402012-01-27T04:37:00.001-08:002012-01-27T04:37:20.220-08:00Juan de NadieSó<br />
Andar só em noites sem lua.<br />
Acariciar as curvas meandrantes<br />
de uma anatomia imaterial,<br />
encarnando, vazia, o inefável.<br />
<br />
O amarelo mercúrio incandescente<br />
pende, tão óbvio, ladeando ruas,<br />
iluminando, entre o vegetar das árvores,<br />
toda a ausência do que não está.<br />
<br />
O vento uiva discreto,<br />
trocando confidências <br />
com o concreto frio<br />
- plateia inanimada<br />
da cidade inerte<br />
em madrugadas mortas.<br />
<br />
As janelas piscam ao longe,<br />
denunciando as ânsias<br />
de um qualquer insone.<br />
<br />
A angústia mora no descompasso,<br />
na assincronia das presenças.<br />
Calçadas embalando os tropeços <br />
do movimento das tardes,<br />
lamentam o recolher do passos <br />
que repousam à noite.<br />
Nada angustia mais do que o espaço<br />
quando não há ninguém para preenchê-lo.<br />
<br />
Há coisas que a luz do sol esconde,<br />
e que a escuridão insiste em revelar.<br />
Os buracos do quem, do quando e do onde,<br />
preenchem-se nas ilusões diurnas.<br />
À noite, ilusões se desfazem<br />
e a lua nova mostra <br />
tudo aquilo que não há.<br />
<br />
(Juan de Nadie - <br />
(08-02-2011)<br />
___________________________Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-41622021694832996662012-01-27T03:33:00.001-08:002012-01-27T03:33:40.607-08:00José SaramagoNa ilha por vezes habitada<br />
<br />
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,<br />
manhãs e madrugadas em que não precisamos de<br />
morrer.<br />
Então sabemos tudo do que foi e será.<br />
O mundo aparece explicado definitivamente e entra<br />
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as<br />
palavras que a significam.<br />
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas<br />
mãos.<br />
Com doçura.<br />
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a<br />
vontade e os limites.<br />
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o<br />
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do<br />
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos<br />
ossos dela.<br />
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres<br />
como a água, a pedra e a raiz.<br />
Cada um de nós é por enquanto a vida.<br />
Isso nos baste.<br />
<br />
José SaramagoNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-68500010610544090682012-01-26T13:21:00.001-08:002012-01-26T13:23:26.727-08:00Rainer Maria RilkeMinha Vida Não É...<br />
<br />
<br />
Minha vida não é essa hora abrupta<br />
Em que me vês precipitado.<br />
Sou uma árvore ante meu cenário;<br />
Não sou senão uma de minhas bocas:<br />
Essa, dentre tantas, que será a primeira a fechar-se.<br />
<br />
Sou o intervalo entre as duas notas<br />
Que a muito custo se afinam,<br />
Porque a da morte quer ser mais alta…<br />
<br />
Mas ambas, vibrando na obscura pausa,<br />
Reconciliaram-se.<br />
E é lindo o cântico.<br />
<br />
Rainer Maria Rilke <br />
Tradução: Guilherme de Almeida<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCtDay9UycLbON1C617jkwSKGamBCbeuQPObqGjFBdnRt1tuSxZRJMMzYq823B5NARH_AP3c3kmiJCbOIlm5mgeWdeUVkOcrkVFFrqv1gXBDxK3syMZt-L5TDAZgykUko-3r4cvi7Gcps/s1600/12432313184BLN8EM.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="265" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCtDay9UycLbON1C617jkwSKGamBCbeuQPObqGjFBdnRt1tuSxZRJMMzYq823B5NARH_AP3c3kmiJCbOIlm5mgeWdeUVkOcrkVFFrqv1gXBDxK3syMZt-L5TDAZgykUko-3r4cvi7Gcps/s400/12432313184BLN8EM.jpg" /></a></div><br />
Poema dedicado a Lou-Andreas Salomé, que quase se chegou a perder.<br />
<br />
“Lösch mir die Augen aus: ich kann Dich sehn<br />
Wirf mir die Ohren zu: ich kann Dich hören<br />
Und ohne Fuss noch kann ich zu Dir gehn<br />
Und ohne Mund noch kann ich<br />
Dich beschwören.<br />
Brich mir die Arme ab: ich fasse Dich<br />
Mit meinem Herzen wie mit einer Hand<br />
Reiss mir das Herz aus: und mein<br />
Hirn wir schlagenund wirfst<br />
Du mir auch in das<br />
Hirn den Brand<br />
So will ich Dich auf meinem Blute tragen.<br />
<br />
<br />
<br />
Apaga-me os olhos: e ainda posso ver-te,<br />
tranca-me os ouvidos: e ainda posso ouvir-te,<br />
e sem pés posso ainda ir para ti,<br />
e sem boca posso ainda invocar-te.<br />
Quebra-me os braços, e posso apertar-te<br />
com o coração como com a mão,<br />
tapa-me o coração, e o cérebro baterá<br />
e se me deitares fogo ao cérebro<br />
hei-de continuar a trazer-te no sangue".<br />
<br />
<br />
Tradução; Paulo QuintelaNancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-28556145265367401632012-01-25T06:07:00.001-08:002012-01-25T06:07:43.008-08:00Álvaro de CamposÁlvaro de Campos<br />
<br />
Sou Eu<br />
<br />
Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, <br />
Espécie de acessório ou sobressalente próprio, <br />
Arredores irregulares da minha emoção sincera, <br />
Sou eu aqui em mim, sou eu. <br />
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. <br />
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma. <br />
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.<br />
<br />
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente, <br />
Como de um sonho formado sobre realidades mistas, <br />
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico, <br />
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.<br />
<br />
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, <br />
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, <br />
De haver melhor em mim do que eu.<br />
<br />
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa, <br />
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, <br />
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, <br />
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, <br />
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. <br />
<br />
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica, <br />
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar, <br />
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo — <br />
A impressão de pão com manteiga e brinquedos <br />
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina, <br />
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela, <br />
Num ver chover com som lá fora <br />
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.<br />
<br />
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado, <br />
O emissário sem carta nem credenciais, <br />
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro, <br />
A quem tinem as campainhas da cabeça <br />
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.<br />
<br />
Sou eu mesmo, a charada sincopada <br />
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.<br />
<br />
Sou eu mesmo, que remédio! ...Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-83899835954245022372012-01-25T06:05:00.001-08:002012-01-25T06:05:40.440-08:00Daniel Costa-LourençoENFIM<br />
"Podia saber mais de tudo"<br />
<br />
Podia saber mais de tudo,<br />
Deixar-me enredar nesses enganos,<br />
Confiar na incerteza de outros dias.<br />
Podia renegar-me, talvez nunca como agora,<br />
Podia saber quem eras tu e os demais,<br />
Fintar o futuro e o passado,<br />
Que o acaso fosse concreto e determinado.<br />
<br />
Podia não estar aqui,<br />
Ser material de outra estrutura,<br />
Escolher a chuva que me ensopa,<br />
Queimar-me ao vento, ao sul,<br />
Onde o sal soubesse tanto a despedida como eu,<br />
Para que me esqueça delas, enfim.<br />
<br />
É melhor assim...<br />
O peito aberto, sem condições e tratados,<br />
Morder o presente, mutilado,<br />
Querer o mais difícil dos prazeres,<br />
Esquecer o amargo das canções,<br />
Enfim.<br />
<br />
Daniel Costa-Lourenço in "Heróis (chamamento)", Chiado Editora, s/c., 2010, p 74Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-26227417181571690072012-01-25T06:03:00.001-08:002012-01-25T06:03:32.742-08:00Alice Macedo CamposAlice Macedo Campos -<br />
vacila e treme o homem que entra neste verso. não usa roupa ou adereços, não corta as unhas dos pés, e sai-lhe do queixo uma cauda de pêlo comprido que lhe tapa o sexo. mantém o braço esquerdo erguido e fala com a mão. articula um diálogo perfeito, faz duas vozes, a dele próprio e outra feminina e doce. se na sua diz nunca te deixarei, na outra diz serei sempre tua. quando se cansa de falar, leva a mão à testa e pestaneja sobre ela.<br />
<br />
<br />
o poeta que tem um homem nu num verso, não sabe o que há-de fazer. fica paralisado enquanto ouve a conversa dele com a sua mão.<br />
<br />
na sua voz diz:<br />
<br />
dá-me por esta noite a carne ainda quente de um beijo,<br />
uma pedra de fogo que possa incendiar outra pedra,<br />
dois remos para navegar águas escuras,<br />
águas tão densas como as que nascem da montanha,<br />
um rio, meu amor, dá-me por esta noite um rio<br />
que comece no teu corpo de neve,<br />
atravesse o tempo, a luz vertiginosa,<br />
e se afogue nos meus olhos.<br />
<br />
na outra voz responde:<br />
<br />
eu dou-te o nome do silêncio, uma<br />
casa onde possas habitar até que<br />
a morte nos restitua, um livro para<br />
me escreveres o sol claríssimo, as<br />
azeitonas fazendo o virgem óleo.<br />
<br />
o poeta chora. lê a biografia do homem e compreende. foi ele quem guardou o último suspiro da amada na mão que lhe amparava o rosto. desde então, conversa com ela para suportar.Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-62840261554871829862012-01-25T06:02:00.003-08:002012-01-25T06:02:49.372-08:00António Quadros FerroSOBRE A ETERNIDADE <br />
<br />
Perguntaste-me há quanto tempo<br />
as folhas se levantam sem cair.<br />
Falavas se calhar da eternidade sem querer,<br />
da mesma forma inocente com que adormecias<br />
ou pousavas o copo de vinho sobre a mesa.<br />
<br />
A única forma encontrada<br />
era a breve inocência das coisas<br />
repousada na tua própria dúvida.<br />
<br />
E eu tinha a certeza que não eras daqui,<br />
como eu sou,<br />
como ninguém é.<br />
<br />
Verificados todos os silêncios.<br />
<br />
<br />
António Quadros Ferro, "Um Pouco de Morte", Edição do Autor, 2009.Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-20826954827175587562012-01-25T06:02:00.001-08:002012-01-25T06:02:17.941-08:00Alice Macedo Camposno princípio, somos esta luz queimada de água a água,<br />
o fogo ininterrupto que se alastra na comunhão das margens,<br />
a maré vazia, a mágoa calcinada, a imagem breve da castidade,<br />
trabalhada pela pluma do céu com seu botão de rosa sobre o mar.<br />
no princípio , estamos sóbrios, ignoramos o abismo caminhamos nus,<br />
e se uma música nos toca, encostamos toda a nossa vida um ao outro,<br />
e a luz faz, no chão onde dançamos, as efémeras sombras de uma chama,<br />
que, de hoje para sempre, arderá no mundo à nossa passagem. e temos à<br />
nossa espera, no fim de tudo isto, o medo com os nossos olhos na cara, e,<br />
entre eles, a mesma água que queimou este poema, mas abaixo os braços leves,<br />
convidativos, apetece cair nestes braços e concluir, num só corpo o verbo amar.<br />
<br />
<br />
Alice Macedo Campos<br />
In: a mulher sus.pensa. Porto. edita-Me, 2011Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2591151735482821205.post-25463718949020871292012-01-25T06:00:00.001-08:002012-01-25T06:00:40.029-08:00Casimiro de BritoDO POEMA<br />
<br />
O problema não é<br />
meter o mundo no poema; alimentá-lo<br />
de luz, planetas, vegetação. Nem<br />
tão-pouco<br />
enriquecê-lo, ornamentá-lo<br />
com palavras delicadas, abertas<br />
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,<br />
aos corpos nus dos amantes -<br />
<br />
o problema é torná-lo habitável, indispensável<br />
a quem seja mais pobre, a quem esteja<br />
mais só<br />
do que as palavras<br />
acompanhadas<br />
no poema.<br />
<br />
Casimiro de Brito<br />
em Telegramas, 1959Nancy Thttp://www.blogger.com/profile/00933414563515005358noreply@blogger.com0