Cântico II
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faça-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a eternidade.
És tu.
Cântico XVII
Perguntarão pela tua alma.
A alma que é ternura,
bondade,
tristeza,
amor.
Mas tu mostrarás a curva do teu vôo
livre, por entre os mundos...
E eles compreenderão que a alma pesa.
Que é um segundo corpo,
e mais amargo,
porque não se pode mostrar,
por que não se pode ver
Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar
Por que havemos
de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar.
Meu rosto vário
desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura
e encanto indiferente
de herança, em cada lugar
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe
e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.
Cecília Meireles
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