segunda-feira, 24 de maio de 2010

Pablo Neruda

Unidade




Há algo denso, unido, sentado no fundo,

a repetir seu número, seu sinal idêntico.

Como se nota que as pedras tocaram o tempo,

em sua fina matéria há um olor a idade,

e à água que traz o mar, de sal e sonho.



Rodeia-me uma mesma coisa, um movimento único:

o peso do mineral, da luz, do mel,

colam-se ao som da palavra noite:

a tinta do trigo, do marfim, do pranto,

as coisas de couro, de madeira, de lã,

envelhecidas, debotadas, uniformes,

unem-se em meu redor como paredes.



Trabalho surdamente, a girar sobre mim mesmo,

como o corvo sobre a morte, o corvo de luto.

Penso, isolado na extensão das estações,

central, cercado por uma geografia silenciosa:

uma temperatura parcial cai do ceu,

um extremo império de confusas unidades

reúne-se a cercar-me.



Pablo Neruda



Gosto quando te calas



Gosto quando te calas porque estás como ausente,

e me ouves de longe, minha voz não te toca.

Parece que os olhos tivessem de ti voado

e parece que um beijo te fechara a boca.



Como todas as coisas estão cheias da minha alma

emerge das coisas, cheia da minha alma.

Borboleta de sonho, pareces com minha alma,

e te pareces com a palavra melancolia.



Gosto de ti quando calas e estás como distante.

E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.

E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:

Deixa-me que me cale com o silêncio teu.



Deixa-me que te fale também com o teu silêncio

claro como uma lâmpada, simples como um anel.

És como a noite, calada e constelada.

Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.



Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.

Distante e dolorosa como se tivesses morrido.

Uma palavra então, um sorriso bastam.

E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.



Pablo Neruda

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