segunda-feira, 24 de maio de 2010

Paulo Leminski

A Multiplicidade do Real




Que existe mais, senão afirmar a multiplicidade do real?

A igual probabilidade dos eventos impossíveis?

A eterna troca de tudo em tudo?

A única realidade absoluta?

Seres se traduzem.

Tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma.

Tudo irremediavelmente metamorfose!







Paulo Leminski



Uma poesia ártica,

claro, é isso que eu desejo.

Uma prática pálida,

três versos de gelo.

Uma frase-superfície

onde vida-frase alguma

não seja mais possível.

Frase, não, Nenhuma.

Uma lira nula,

reduzida ao puro mínimo,

um piscar do espírito,

a única coisa única.

Mas falo. E, ao falar, provoco

nuvens de equívocos

(ou enxame de monólogos?)

Sim, inverno, estamos vivos.







Paulo Leminski

AVISO AOS NÁUFRAGOS





Esta página, por exemplo,

não nasceu para ser lida.

Nasceu para ser pálida,

um mero plágio da Ilíada,

alguma coisa que cala,

folha que volta pro galho,

muito depois de caída.



Nasceu para ser praia,

quem sabe Andrômeda, Antártida

Himalaia, sílaba sentida,

nasceu para ser última

a que não nasceu ainda.



Palavras trazidas de longe

pelas águas do Nilo,

um dia, esta pagina, papiro,

vai ter que ser traduzida,

para o símbolo, para o sânscrito,

para todos os dialétos da Índia,

vai ter que dizer bom-dia

ao que só se diz ao pé do ouvido,

vai ter que ser a brusca pedra

onde alguém deixou cair o vidro.

Não e assim que é a vida?





Paulo Leminski



...





Vim pelo caminho difícil,

a linha que nunca termina,

a linha bate na pedra,

a palavra quebra uma esauina,

mínima linha vazia,

a linha, uma vida inteira,

palavra, palavra minha





Paulo Leminski

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