Deixa que as coisas te interpretem
Que o vento sinta tua pele,
Que as pedras meditem teus passos,
E as águas criem tua realidade.
Vive o mistério da terra,
O segredo da semente,
O caminho da seiva,
O milagre do fruto.
Deixa que as coisas meditem sobre ti
Que ventos,pedras e águas recriem tua imagem;
Entende a mão que te acolheu,
A lâmina que te despe
E sangra teu silêncio,
Reflete o mundo branco que te mastiga,
Transforma-te em carne,e em galeras de sangue.
Regressa
A vida terá partido,com bicos noturnos,
A casca da palavra.
-Descoberta - Paulo Bonfim - 50 anos de Poesia
A Água
Despe, na solidão da tarde,
Tua roupagem manchada de quotidiano,
E deixa que a chuva molhe teus cabelos
E vista teu corpo de escamas de prata.
Pousa, em teus ombros, o manto dos lagos
E colhe no cântaro de tuas mãos
A música dos dias que adormeceram
No fundo de teu ser.
Mármores líquidos moldarão teu corpo.
Nuvem,
Penetrarás a carne da manhã.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
SONETO V
Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.
É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.
Que emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.
Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
E, em lucidez, serei minha loucura.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 –
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