segunda-feira, 24 de maio de 2010

PAULO BONFIM

Deixa que as coisas te interpretem

Que o vento sinta tua pele,

Que as pedras meditem teus passos,

E as águas criem tua realidade.

Vive o mistério da terra,

O segredo da semente,

O caminho da seiva,

O milagre do fruto.

Deixa que as coisas meditem sobre ti

Que ventos,pedras e águas recriem tua imagem;

Entende a mão que te acolheu,

A lâmina que te despe

E sangra teu silêncio,

Reflete o mundo branco que te mastiga,

Transforma-te em carne,e em galeras de sangue.

Regressa

A vida terá partido,com bicos noturnos,

A casca da palavra.



-Descoberta - Paulo Bonfim - 50 anos de Poesia









A Água







Despe, na solidão da tarde,

Tua roupagem manchada de quotidiano,

E deixa que a chuva molhe teus cabelos

E vista teu corpo de escamas de prata.

Pousa, em teus ombros, o manto dos lagos

E colhe no cântaro de tuas mãos

A música dos dias que adormeceram

No fundo de teu ser.

Mármores líquidos moldarão teu corpo.

Nuvem,

Penetrarás a carne da manhã.









Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).

In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7











SONETO V





Alquimia do verbo. Em minha mente

Recriam-se palavras na hora vária,

A poesia se torna necessária

E as flores rememoram a semente.



É preciso que exista novamente

A aventura distante e temerária

De em ouro transformar a dor precária

E em nós deixar correr a lava ardente.



Que emoção profunda e mineral

Corra nos veios desta carne astral

E encontre em mim aquilo que procura.



Na paisagem que for, já sou nascido:

Nas formas criarei o elo perdido,

E, em lucidez, serei minha loucura.





Paulo Bomfim

in Sonetos – l.959 –

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