As rosas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in"Cem Poemas De Sophia"
domingo, 7 de novembro de 2010
Vergílio Ferreira
Que Há para Lá do Sonhar?
Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.
Mas que há para lá do sonhar?
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.
Mas que há para lá do sonhar?
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
André Malraux -FRAGMENTO
O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.
«Tchen recordou-se de Gisors: "À beira da morte, uma tal paixão aspira transmitir-se...". De súbito, compreendeu. Suan também compreendia:
- Tu queres fazer do terrorismo uma espécie de religião?
A exaltação de Tchen tornava-se maior. Todas as palavras eram vazias, absurdas, impotentes, para exprimir o que queria deles.
- Não uma religião. O sentido da vida. A... posse completa de si próprio. Total. Absoluta. A única. Saber. Não procurar, constantemente, ideias e deveres. Há uma hora que já não sinto coisa alguma de que pesava sobre mim. Estão a ouvir? Nada.
Agitava-o uma tal exaltação que já não procurava convencê-los, senão falando-lhes de si:
- Estou de posse de mim próprio. Mas nem uma ameaça, nem uma angústia, como sempre. Dominado, apertado, como esta mão aperta a outra (apertava-a com toda a força). Ainda não basta, como...
Apanhou do chão um dos bocados de vidro da lanterna quebrada. (...) Com um gesto, enterrou-o na coxa. A sua voz entrecortada estava penetrada de uma certeza selvagem, mas parecia muito mais dominar a sua exaltação do que ser dominado por ela. Nada louco. Os outros dois mal o viam já e, contudo, ele enchia o compartimento. (...)
- Pelos nossos, nada podes fazer de melhor que decidir-te a morrer. Nenhum homem pode ser tão eficaz como aquele que assim escolheu.»
«-... Não acha que é de uma estupidez característica da espécie humana que um homem que só tem uma vida possa perdê-la por uma ideia?
- É muito raro que um homem possa suportar, como hei-de dizer, a sua condição de homem.
Pensou numa das ideias de Kyo: tudo aquilo porque os homens aceitam deixar-se matar, para além do interesse, tende mais ou menos confusamente a justificar essa condição, fundamentando-a na dignidade: cristianismo para o escravo, nação para o cidadão, comunismo para o operário. (...)
- É sempre preciso intoxicarmo-nos: este país com o ópio, o Islão com o haxixe, o Ocidente com a mulher... Talvez o amor seja sobretudo o meio que o ocidental emprega para se libertar da sua condição de homem...»
André Malraux (1901-1976)
excerto de A Condição Humana
«Tchen recordou-se de Gisors: "À beira da morte, uma tal paixão aspira transmitir-se...". De súbito, compreendeu. Suan também compreendia:
- Tu queres fazer do terrorismo uma espécie de religião?
A exaltação de Tchen tornava-se maior. Todas as palavras eram vazias, absurdas, impotentes, para exprimir o que queria deles.
- Não uma religião. O sentido da vida. A... posse completa de si próprio. Total. Absoluta. A única. Saber. Não procurar, constantemente, ideias e deveres. Há uma hora que já não sinto coisa alguma de que pesava sobre mim. Estão a ouvir? Nada.
Agitava-o uma tal exaltação que já não procurava convencê-los, senão falando-lhes de si:
- Estou de posse de mim próprio. Mas nem uma ameaça, nem uma angústia, como sempre. Dominado, apertado, como esta mão aperta a outra (apertava-a com toda a força). Ainda não basta, como...
Apanhou do chão um dos bocados de vidro da lanterna quebrada. (...) Com um gesto, enterrou-o na coxa. A sua voz entrecortada estava penetrada de uma certeza selvagem, mas parecia muito mais dominar a sua exaltação do que ser dominado por ela. Nada louco. Os outros dois mal o viam já e, contudo, ele enchia o compartimento. (...)
- Pelos nossos, nada podes fazer de melhor que decidir-te a morrer. Nenhum homem pode ser tão eficaz como aquele que assim escolheu.»
«-... Não acha que é de uma estupidez característica da espécie humana que um homem que só tem uma vida possa perdê-la por uma ideia?
- É muito raro que um homem possa suportar, como hei-de dizer, a sua condição de homem.
Pensou numa das ideias de Kyo: tudo aquilo porque os homens aceitam deixar-se matar, para além do interesse, tende mais ou menos confusamente a justificar essa condição, fundamentando-a na dignidade: cristianismo para o escravo, nação para o cidadão, comunismo para o operário. (...)
- É sempre preciso intoxicarmo-nos: este país com o ópio, o Islão com o haxixe, o Ocidente com a mulher... Talvez o amor seja sobretudo o meio que o ocidental emprega para se libertar da sua condição de homem...»
André Malraux (1901-1976)
excerto de A Condição Humana
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Yttérbio Homem de Siqueira
'SALMO DO INSTANTE IV'
Momento, cor sem essência ,
resumido em larga dispersão.
Sobra de outros sonhos
impossíveis à nossa lentidão.
Fulcro da vida, ergue-se no espaço
desatinado. Logo mais declina
em profundo arquejo de cansaço.
Momento, um leve rastro apenas
desse lampejo cósmico pertinaz
que é o tempo em plena floração.
Yttérbio Homem de Siqueira
em Abismo Intacto -1.983
Momento, cor sem essência ,
resumido em larga dispersão.
Sobra de outros sonhos
impossíveis à nossa lentidão.
Fulcro da vida, ergue-se no espaço
desatinado. Logo mais declina
em profundo arquejo de cansaço.
Momento, um leve rastro apenas
desse lampejo cósmico pertinaz
que é o tempo em plena floração.
Yttérbio Homem de Siqueira
em Abismo Intacto -1.983
CECILIA MEIRELES
'Anatomia'
É triste ver-se o homem por dentro:
tudo arrumado, cerrado, dobrado
como objetos num armário.
A alma, não.
É triste ver-se o mapa das veias,
e esse pequeno mar que faz trabalhar seus rios
como por obscuras aldeias
indo e vindo, a carregar vida, estranhos escravos.
Mas a alma?
É triste ver-se a elétrica floresta
dos nervos: para estrelas de olhos e lagrimas,
para a inquieta brisa da voz,
para esses ninhos contorcidos do pensamento.
E a alma?
É triste ver-se que de repente se imobiliza
esse sistema de enigmas,
de inexplicado exercício,
antes de termos encontrado a alma.
Pela alma choramos.
Procuramos a alma.
Queríamos alma.
Agosto, 1959
Cecília Meireles
In: O Estudante Empírico (1959-1964)
É triste ver-se o homem por dentro:
tudo arrumado, cerrado, dobrado
como objetos num armário.
A alma, não.
É triste ver-se o mapa das veias,
e esse pequeno mar que faz trabalhar seus rios
como por obscuras aldeias
indo e vindo, a carregar vida, estranhos escravos.
Mas a alma?
É triste ver-se a elétrica floresta
dos nervos: para estrelas de olhos e lagrimas,
para a inquieta brisa da voz,
para esses ninhos contorcidos do pensamento.
E a alma?
É triste ver-se que de repente se imobiliza
esse sistema de enigmas,
de inexplicado exercício,
antes de termos encontrado a alma.
Pela alma choramos.
Procuramos a alma.
Queríamos alma.
Agosto, 1959
Cecília Meireles
In: O Estudante Empírico (1959-1964)
CECILIA MEIRELES
Cantar
Cantar de beira de rio:
Agua que bate na pedra,
pedra que não dá resposta.
Noite que vem por acaso,
trazendo nos lábios negros
o sonho de que se gosta.
Pensando no caminho
pensando o rosto da flor
que pode vir, mas não vem
Passam luas - muito longe,
estrelas - muito impossíveis,
nuvens sem nada, também.
Cantar de beira de rio:
o mundo coube nos olhos,
todo cheio, mas vazio.
A água subiu pelo campo,
mas o campo era tão triste...
Ai!
Cantar de beira de rio.
Cecília Meireles
Cantar de beira de rio:
Agua que bate na pedra,
pedra que não dá resposta.
Noite que vem por acaso,
trazendo nos lábios negros
o sonho de que se gosta.
Pensando no caminho
pensando o rosto da flor
que pode vir, mas não vem
Passam luas - muito longe,
estrelas - muito impossíveis,
nuvens sem nada, também.
Cantar de beira de rio:
o mundo coube nos olhos,
todo cheio, mas vazio.
A água subiu pelo campo,
mas o campo era tão triste...
Ai!
Cantar de beira de rio.
Cecília Meireles
CECILIA MEIRELES
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
"Agora és livre, se ainda recordas."
Cecília Meireles
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
"Agora és livre, se ainda recordas."
Cecília Meireles
CECILIA MEIRELES
Constância do deserto
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Venho desde a adolescência
na mesma navegação.
- Por que mar de tanta ausência,
e areias brancas de tão
despovoada inconsistência,
de penúria e de aflição?
(Triste saudade que pensa
entre resposta e a intenção!)
Números de grande urgência
gritam pela exatidão:
mas a areia branca e imensa
toda é desagregação!
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Impossível, permanência.
Impossível, direção.
E assim por toda a existência
navegar, navegarão
os que têm por toda ciência
desencanto e devoção.
Cecília Meireles
in: Mar Absoluto
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Venho desde a adolescência
na mesma navegação.
- Por que mar de tanta ausência,
e areias brancas de tão
despovoada inconsistência,
de penúria e de aflição?
(Triste saudade que pensa
entre resposta e a intenção!)
Números de grande urgência
gritam pela exatidão:
mas a areia branca e imensa
toda é desagregação!
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Impossível, permanência.
Impossível, direção.
E assim por toda a existência
navegar, navegarão
os que têm por toda ciência
desencanto e devoção.
Cecília Meireles
in: Mar Absoluto
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Roseana Murray
'Jogo da Verdade'
A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.
Roseana Murray
in ‘Pêra, Uva ou Maçã’(2005)
A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.
Roseana Murray
in ‘Pêra, Uva ou Maçã’(2005)
PAULOBONFIM
O Ar
Em nossa transparência
Os muros da carne.
Em nossa angústia
O vento rebelde.
Em nossa nuvem
O vôo do pássaro.
Em nossa fonte
A água invisível.
Em nossa árvore
A serpente do nada.
Somos o ar
Na torre das palavras.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
Som Distante
Em nossa transparência
Os muros da carne.
Em nossa angústia
O vento rebelde.
Em nossa nuvem
O vôo do pássaro.
Em nossa fonte
A água invisível.
Em nossa árvore
A serpente do nada.
Somos o ar
Na torre das palavras.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
Som Distante
Maria Hilda de J. Alão
VERSOS QUE FIZ
Há versos que fiz de dores,
outros me inspirou a alegria.
Teço sofisticadas imagens
de luas no céu e no chão,
refletidas nas poças d’água
da fria chuva da madrugada.
Escrevi versos de desejo
fixando o olhar num retrato
e o pensamento no infinito,
nas horas em que o silêncio maciço
ondula diante dos meus olhos
lembrando ancas luxuriosas.
Ousei, fui mais atrevida,
versejei a partir dum sonho,
um corpo em repouso no leito
e uma boca a beijar-me o seio.
Cristalizei letras e vocábulos
do quebra-cabeça da linguagem
com eles construí poemas de fogo,
de presenças, de ausências
e de visão metafórica
do sono eterno da morte.
Mostrou-me, a musa, sombras,
vôos de feixes de luz,
aguçou meu exotismo,
desnudou meu erotismo
plasmando-o em cada palavra
dos versos que já fiz.
Maria Hilda de J. Alão
Há versos que fiz de dores,
outros me inspirou a alegria.
Teço sofisticadas imagens
de luas no céu e no chão,
refletidas nas poças d’água
da fria chuva da madrugada.
Escrevi versos de desejo
fixando o olhar num retrato
e o pensamento no infinito,
nas horas em que o silêncio maciço
ondula diante dos meus olhos
lembrando ancas luxuriosas.
Ousei, fui mais atrevida,
versejei a partir dum sonho,
um corpo em repouso no leito
e uma boca a beijar-me o seio.
Cristalizei letras e vocábulos
do quebra-cabeça da linguagem
com eles construí poemas de fogo,
de presenças, de ausências
e de visão metafórica
do sono eterno da morte.
Mostrou-me, a musa, sombras,
vôos de feixes de luz,
aguçou meu exotismo,
desnudou meu erotismo
plasmando-o em cada palavra
dos versos que já fiz.
Maria Hilda de J. Alão
Ana Hatherly
A minha vida é poética:
Paira entre a vaga mentira e a realidade.
O amor me acontece
Como as folhas às árvores,
E tão singularmente,
Que já nem sei se é natural à árvore ter folhas
Ou estar nua...
- Ana Hatherly –
Paira entre a vaga mentira e a realidade.
O amor me acontece
Como as folhas às árvores,
E tão singularmente,
Que já nem sei se é natural à árvore ter folhas
Ou estar nua...
- Ana Hatherly –
Paulo Leminski
Plena pausa
Lugar onde se faz
o que já foi feito,
branco de página,
soma de todos os textos,
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta.
Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto."
Paulo Leminski
Lugar onde se faz
o que já foi feito,
branco de página,
soma de todos os textos,
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta.
Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto."
Paulo Leminski
Anderson Braga Horta
Anderson Braga Horta
CERÂMICA
Montículo de argila,
de híspidos pêlos vegetais tufado.
Rude, entretanto modelado.
Um subterrâneo orvalho
mina-lhe à superfície, fontanando-a.
Tênue gêiser, solfatara.
Brilha nos olhos minerais um frio.
E move-se, mágica cerâmica!
e se ergue, semovente
barro cozido ao sol!
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
PROTOFLAMA
Na argila dos pântanos
palpita
premonitória luz
invisa.
Mais que reflexo, a luz que brilha
no barro:
chama, secreta chama, protoflama
de uma alma.
Nela se insculpem, futuras,
as formas,
as áureas formas: na semente a árvore
remota.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
TREVALUME
Grita-se “Homem à Terra!” e ninguém não acode.
Diluídos no sem-fim do inexistir, os deuses.
Quem ouve? Quem não pode. E grita? Quem se morre.
Solidão! solidão dos cardumes nas redes!
O Homem donde vem? Caiu donde não era.
Para onde vai? Não sabe. E o que deseja? A volta.
Que trouxe? Um sol que ardeu futuro antes da queda
e que é feito de cinza (e fora lume outrora?).
Que leva? Uma saudade anterior de incêndio.
Ou uma canção sem voz? Ou uma luz que se coalha
no coágulo maior das grossas trevas, rocha?
Anoitece? amanhece? ele perplexo baila
da garupa de um ai ao cavo de um silêncio,
sem ver donde praonde a treva se desloca.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (197 17 out excluir Nan
NÓS, O HOMEM
Mineiro noturno, escavo
minhas minas de angústia.
Uma luz na testa —
um caminho, antolhos, parede de pedra.
Uno e múltiplo,
solidário e solitário, respiro
pó e treva. E esperança.
Escavo a terra,
mas de mim mesmo extraio as minhas gemas.
Elas brilham no escuro,
iluminam meus medos e meus tédios,
minha força e minha fé.
Ajo e contemplo-me.
Escavo, escravo: de antever-me
lavado em névoas matutinas.
E vou, retórico e despido,
a caminho de mim.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
CERÂMICA
Montículo de argila,
de híspidos pêlos vegetais tufado.
Rude, entretanto modelado.
Um subterrâneo orvalho
mina-lhe à superfície, fontanando-a.
Tênue gêiser, solfatara.
Brilha nos olhos minerais um frio.
E move-se, mágica cerâmica!
e se ergue, semovente
barro cozido ao sol!
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
PROTOFLAMA
Na argila dos pântanos
palpita
premonitória luz
invisa.
Mais que reflexo, a luz que brilha
no barro:
chama, secreta chama, protoflama
de uma alma.
Nela se insculpem, futuras,
as formas,
as áureas formas: na semente a árvore
remota.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
TREVALUME
Grita-se “Homem à Terra!” e ninguém não acode.
Diluídos no sem-fim do inexistir, os deuses.
Quem ouve? Quem não pode. E grita? Quem se morre.
Solidão! solidão dos cardumes nas redes!
O Homem donde vem? Caiu donde não era.
Para onde vai? Não sabe. E o que deseja? A volta.
Que trouxe? Um sol que ardeu futuro antes da queda
e que é feito de cinza (e fora lume outrora?).
Que leva? Uma saudade anterior de incêndio.
Ou uma canção sem voz? Ou uma luz que se coalha
no coágulo maior das grossas trevas, rocha?
Anoitece? amanhece? ele perplexo baila
da garupa de um ai ao cavo de um silêncio,
sem ver donde praonde a treva se desloca.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (197 17 out excluir Nan
NÓS, O HOMEM
Mineiro noturno, escavo
minhas minas de angústia.
Uma luz na testa —
um caminho, antolhos, parede de pedra.
Uno e múltiplo,
solidário e solitário, respiro
pó e treva. E esperança.
Escavo a terra,
mas de mim mesmo extraio as minhas gemas.
Elas brilham no escuro,
iluminam meus medos e meus tédios,
minha força e minha fé.
Ajo e contemplo-me.
Escavo, escravo: de antever-me
lavado em névoas matutinas.
E vou, retórico e despido,
a caminho de mim.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Heráclito de Éfeso
“Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez; mas foi sempre, é e será um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida”
Tudo é feito pelo fogo e tudo se dissipa no fogo. Tudo está submetido ao destino. O movimento – o devenir perpétuo – determina toda a harmonia do mundo
“Este mundo (...) foi sempre, é e será sempre um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida”. A regularidade e a medida são garantidas pela simultaneidade dos dois caminhos de transformação que compõem o fluxo universal: é ao mesmo tempo que ocorre a troca do fogo em todas as coisas e de todas as coisas em fogo, pois “o caminho para o alto e o caminho para baixo são um e o mesmo”. Isso permite então afirmar: “...e a, metade do mar é terra, a metade vento turbilhonante”. Assim, o que garante a tensão intrínseca às coisas é aquilo mesmo que as sustenta: a medida imposta pelo Logos, essa “harmonia oculta” que “vale mais que harmonia aberta”.
(O Sol tem) a largura de um pé humano.
Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos proclamar felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer
Em vão procuram purificar-se, manchando-se com novo sangue de vítimas, como se, sujos com lama, quisessem lavar-se com lama. E louco seria considerado se alguém o descobrisse agindo assim. Dirigem também suas orações a estátuas, como se fosse possível conversar com edifícios, ignorando o que sejam os deuses e os heróis.
Se todas as coisas se tornassem fumaça, conhecer-se-ia com as narinas
Tudo é feito pelo fogo e tudo se dissipa no fogo. Tudo está submetido ao destino. O movimento – o devenir perpétuo – determina toda a harmonia do mundo
“Este mundo (...) foi sempre, é e será sempre um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida”. A regularidade e a medida são garantidas pela simultaneidade dos dois caminhos de transformação que compõem o fluxo universal: é ao mesmo tempo que ocorre a troca do fogo em todas as coisas e de todas as coisas em fogo, pois “o caminho para o alto e o caminho para baixo são um e o mesmo”. Isso permite então afirmar: “...e a, metade do mar é terra, a metade vento turbilhonante”. Assim, o que garante a tensão intrínseca às coisas é aquilo mesmo que as sustenta: a medida imposta pelo Logos, essa “harmonia oculta” que “vale mais que harmonia aberta”.
(O Sol tem) a largura de um pé humano.
Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos proclamar felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer
Em vão procuram purificar-se, manchando-se com novo sangue de vítimas, como se, sujos com lama, quisessem lavar-se com lama. E louco seria considerado se alguém o descobrisse agindo assim. Dirigem também suas orações a estátuas, como se fosse possível conversar com edifícios, ignorando o que sejam os deuses e os heróis.
Se todas as coisas se tornassem fumaça, conhecer-se-ia com as narinas
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Ylia Kazama
Ylia Kazama
Tesitura
1
Hoy tengo un deseo que me hace nueva...
Mi intención "hombre de agua" es:
obsesionarte con mi beso;
amarte con fascinación,
con adoración ferviente.
Haremos el amor... delicadamente.
2
Cuando tu boca apenas me roza
me convierte en una parcela llena de humedad.
Me seduces a la liviandad.
3
Mi liviandad tu la provocas, con tu mirada de beso
con tu beso de ... quiero!.
4
Tu cuerpo cálido es una invitación abierta al amor.
No sólo a la demostración física...
Hablo del sentimiento vasto e infinito.
De la pasión que no decrece con la presencia,
de la que se intensifica con la ausencia.
Hablo de lo que me inspira
tu esencia y contexto.
Lleno de defectos, que bien claro miro
y no me asusta; que asumo como algo tuyo.
Hablo de algo muy sencillo:
del amor que por ti siento.
5
Me encanta como suenas,
tu sabor, olor
y textura.
Me fascina como piensas,
tu manera de mirar
y locura.
6
A qué sabrá tu boca en la mañana?
A membrillo?, a durazno?... a limón!.
Cómo se oirá tu corazón en la mañana?
Cómo un tambor?... cómo trombón?... cómo canción!.
Cómo despertaras después de "eso", en la mañana?
Humanamente?... amantemente?... Amadamente!.
7
La noche es un milagro.
Transitar por ella me hace vasta.
La obscuridad es vulnerabilidad
en espacio impenetrable.
Vulnerabilidad es la obscuridad.
Vasta me hace transitar por ella.
Es un milagro la noche
8
Mientras despierta sueño,
que soy tu sueño.
Que sueñas
que te sueño
y así... no duermo.
9
Pienso que estoy en tu pensamiento
que piensas que te pienso
y así.... me duerme.
10
La noche ya llego... estoy dispuesta al amor.
Dispuesta a tu amor... amanezco.
11
Acontece que amanece cuando el amor llega.
12
Vengo a descubrir que la inspiración
algo te la da.
Sólo falta un beso... te besan y ya!.
13
No sé sí estoy inspirada o sólo enamorada.
14
Entre el amor, la noche, el sueño,
la realidad, el deseo;
la pasión y la ternura
está la tesitura.
Ylia Kazama é
Tesitura
1
Hoy tengo un deseo que me hace nueva...
Mi intención "hombre de agua" es:
obsesionarte con mi beso;
amarte con fascinación,
con adoración ferviente.
Haremos el amor... delicadamente.
2
Cuando tu boca apenas me roza
me convierte en una parcela llena de humedad.
Me seduces a la liviandad.
3
Mi liviandad tu la provocas, con tu mirada de beso
con tu beso de ... quiero!.
4
Tu cuerpo cálido es una invitación abierta al amor.
No sólo a la demostración física...
Hablo del sentimiento vasto e infinito.
De la pasión que no decrece con la presencia,
de la que se intensifica con la ausencia.
Hablo de lo que me inspira
tu esencia y contexto.
Lleno de defectos, que bien claro miro
y no me asusta; que asumo como algo tuyo.
Hablo de algo muy sencillo:
del amor que por ti siento.
5
Me encanta como suenas,
tu sabor, olor
y textura.
Me fascina como piensas,
tu manera de mirar
y locura.
6
A qué sabrá tu boca en la mañana?
A membrillo?, a durazno?... a limón!.
Cómo se oirá tu corazón en la mañana?
Cómo un tambor?... cómo trombón?... cómo canción!.
Cómo despertaras después de "eso", en la mañana?
Humanamente?... amantemente?... Amadamente!.
7
La noche es un milagro.
Transitar por ella me hace vasta.
La obscuridad es vulnerabilidad
en espacio impenetrable.
Vulnerabilidad es la obscuridad.
Vasta me hace transitar por ella.
Es un milagro la noche
8
Mientras despierta sueño,
que soy tu sueño.
Que sueñas
que te sueño
y así... no duermo.
9
Pienso que estoy en tu pensamiento
que piensas que te pienso
y así.... me duerme.
10
La noche ya llego... estoy dispuesta al amor.
Dispuesta a tu amor... amanezco.
11
Acontece que amanece cuando el amor llega.
12
Vengo a descubrir que la inspiración
algo te la da.
Sólo falta un beso... te besan y ya!.
13
No sé sí estoy inspirada o sólo enamorada.
14
Entre el amor, la noche, el sueño,
la realidad, el deseo;
la pasión y la ternura
está la tesitura.
Tesitura
1
Hoy tengo un deseo que me hace nueva...
Mi intención "hombre de agua" es:
obsesionarte con mi beso;
amarte con fascinación,
con adoración ferviente.
Haremos el amor... delicadamente.
2
Cuando tu boca apenas me roza
me convierte en una parcela llena de humedad.
Me seduces a la liviandad.
3
Mi liviandad tu la provocas, con tu mirada de beso
con tu beso de ... quiero!.
4
Tu cuerpo cálido es una invitación abierta al amor.
No sólo a la demostración física...
Hablo del sentimiento vasto e infinito.
De la pasión que no decrece con la presencia,
de la que se intensifica con la ausencia.
Hablo de lo que me inspira
tu esencia y contexto.
Lleno de defectos, que bien claro miro
y no me asusta; que asumo como algo tuyo.
Hablo de algo muy sencillo:
del amor que por ti siento.
5
Me encanta como suenas,
tu sabor, olor
y textura.
Me fascina como piensas,
tu manera de mirar
y locura.
6
A qué sabrá tu boca en la mañana?
A membrillo?, a durazno?... a limón!.
Cómo se oirá tu corazón en la mañana?
Cómo un tambor?... cómo trombón?... cómo canción!.
Cómo despertaras después de "eso", en la mañana?
Humanamente?... amantemente?... Amadamente!.
7
La noche es un milagro.
Transitar por ella me hace vasta.
La obscuridad es vulnerabilidad
en espacio impenetrable.
Vulnerabilidad es la obscuridad.
Vasta me hace transitar por ella.
Es un milagro la noche
8
Mientras despierta sueño,
que soy tu sueño.
Que sueñas
que te sueño
y así... no duermo.
9
Pienso que estoy en tu pensamiento
que piensas que te pienso
y así.... me duerme.
10
La noche ya llego... estoy dispuesta al amor.
Dispuesta a tu amor... amanezco.
11
Acontece que amanece cuando el amor llega.
12
Vengo a descubrir que la inspiración
algo te la da.
Sólo falta un beso... te besan y ya!.
13
No sé sí estoy inspirada o sólo enamorada.
14
Entre el amor, la noche, el sueño,
la realidad, el deseo;
la pasión y la ternura
está la tesitura.
Ylia Kazama é
Tesitura
1
Hoy tengo un deseo que me hace nueva...
Mi intención "hombre de agua" es:
obsesionarte con mi beso;
amarte con fascinación,
con adoración ferviente.
Haremos el amor... delicadamente.
2
Cuando tu boca apenas me roza
me convierte en una parcela llena de humedad.
Me seduces a la liviandad.
3
Mi liviandad tu la provocas, con tu mirada de beso
con tu beso de ... quiero!.
4
Tu cuerpo cálido es una invitación abierta al amor.
No sólo a la demostración física...
Hablo del sentimiento vasto e infinito.
De la pasión que no decrece con la presencia,
de la que se intensifica con la ausencia.
Hablo de lo que me inspira
tu esencia y contexto.
Lleno de defectos, que bien claro miro
y no me asusta; que asumo como algo tuyo.
Hablo de algo muy sencillo:
del amor que por ti siento.
5
Me encanta como suenas,
tu sabor, olor
y textura.
Me fascina como piensas,
tu manera de mirar
y locura.
6
A qué sabrá tu boca en la mañana?
A membrillo?, a durazno?... a limón!.
Cómo se oirá tu corazón en la mañana?
Cómo un tambor?... cómo trombón?... cómo canción!.
Cómo despertaras después de "eso", en la mañana?
Humanamente?... amantemente?... Amadamente!.
7
La noche es un milagro.
Transitar por ella me hace vasta.
La obscuridad es vulnerabilidad
en espacio impenetrable.
Vulnerabilidad es la obscuridad.
Vasta me hace transitar por ella.
Es un milagro la noche
8
Mientras despierta sueño,
que soy tu sueño.
Que sueñas
que te sueño
y así... no duermo.
9
Pienso que estoy en tu pensamiento
que piensas que te pienso
y así.... me duerme.
10
La noche ya llego... estoy dispuesta al amor.
Dispuesta a tu amor... amanezco.
11
Acontece que amanece cuando el amor llega.
12
Vengo a descubrir que la inspiración
algo te la da.
Sólo falta un beso... te besan y ya!.
13
No sé sí estoy inspirada o sólo enamorada.
14
Entre el amor, la noche, el sueño,
la realidad, el deseo;
la pasión y la ternura
está la tesitura.
Pablo Neruda
Unidade
Há algo denso, unido, sentado no fundo,
a repetir seu número, seu sinal idêntico.
Como se nota que as pedras tocaram o tempo,
em sua fina matéria há um olor a idade,
e à água que traz o mar, de sal e sonho.
Rodeia-me uma mesma coisa, um movimento único:
o peso do mineral, da luz, do mel,
colam-se ao som da palavra noite:
a tinta do trigo, do marfim, do pranto,
as coisas de couro, de madeira, de lã,
envelhecidas, debotadas, uniformes,
unem-se em meu redor como paredes.
Trabalho surdamente, a girar sobre mim mesmo,
como o corvo sobre a morte, o corvo de luto.
Penso, isolado na extensão das estações,
central, cercado por uma geografia silenciosa:
uma temperatura parcial cai do ceu,
um extremo império de confusas unidades
reúne-se a cercar-me.
Pablo Neruda
Gosto quando te calas
Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.
Pablo Neruda
Há algo denso, unido, sentado no fundo,
a repetir seu número, seu sinal idêntico.
Como se nota que as pedras tocaram o tempo,
em sua fina matéria há um olor a idade,
e à água que traz o mar, de sal e sonho.
Rodeia-me uma mesma coisa, um movimento único:
o peso do mineral, da luz, do mel,
colam-se ao som da palavra noite:
a tinta do trigo, do marfim, do pranto,
as coisas de couro, de madeira, de lã,
envelhecidas, debotadas, uniformes,
unem-se em meu redor como paredes.
Trabalho surdamente, a girar sobre mim mesmo,
como o corvo sobre a morte, o corvo de luto.
Penso, isolado na extensão das estações,
central, cercado por uma geografia silenciosa:
uma temperatura parcial cai do ceu,
um extremo império de confusas unidades
reúne-se a cercar-me.
Pablo Neruda
Gosto quando te calas
Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.
Pablo Neruda
Clarice Lispector
Um sopro de vida (pulsações)
" Dizer palavras sem sentido é a minha grande liberdade. Ouco me importa ser entendida, quero o impacto das silabas ofuscantes, quero o nocivo de uma palavra má...eu sou de longe. Muito longe. E de mim vem o puro cheiro de querosene."
Clarice Lispector
" Dizer palavras sem sentido é a minha grande liberdade. Ouco me importa ser entendida, quero o impacto das silabas ofuscantes, quero o nocivo de uma palavra má...eu sou de longe. Muito longe. E de mim vem o puro cheiro de querosene."
Clarice Lispector
poetas azuis
Pequeno esclarecimento...Mario Quintana
Os poetas não são azuis nem nada,
como pensam alguns supersticiosos,
nem sujeitos a ataques súbitos de levitação.
O que eles mais gostam é estar em silêncio -
um silêncio que subjaz a quaisquer escapes
motorísticos ou declamatórios.
Um silêncio...
Este impoluível silêncio em que escrevo
e em que tu me lês.
A vaca e o hipogrifo - Quintana
Esse silêncio azul
Azul tão imenso quanto o silêncio
da paz.
Silêncio que busco no
Azul que encontro...
Matizes azuis que encantam as serpentes que me cercam
Invólucros que embalam as insistentes desconstruções
Azul das águas que são vidas
Azul do espelho d'alma que hoje traduz a calmaria
dos meus mares..
Ntakeshi.
...e os poetas continuam não sendo azuis...nem nada ...*Mário Quintana
Mas alguns são tão anis que resplandecem
E transcedem a própria morte em tons coloridos e fascinantes
Os poetas não são azuis nem nada,
como pensam alguns supersticiosos,
nem sujeitos a ataques súbitos de levitação.
O que eles mais gostam é estar em silêncio -
um silêncio que subjaz a quaisquer escapes
motorísticos ou declamatórios.
Um silêncio...
Este impoluível silêncio em que escrevo
e em que tu me lês.
A vaca e o hipogrifo - Quintana
Esse silêncio azul
Azul tão imenso quanto o silêncio
da paz.
Silêncio que busco no
Azul que encontro...
Matizes azuis que encantam as serpentes que me cercam
Invólucros que embalam as insistentes desconstruções
Azul das águas que são vidas
Azul do espelho d'alma que hoje traduz a calmaria
dos meus mares..
Ntakeshi.
...e os poetas continuam não sendo azuis...nem nada ...*Mário Quintana
Mas alguns são tão anis que resplandecem
E transcedem a própria morte em tons coloridos e fascinantes
Salmos poéticos
Salmo 90:1 Senhor, tu tens sido o nosso refúgio de geração em geração.
Salmo 90:2 Antes que nascessem os montes, ou que tivesses formado a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade tu és Deus.
Salmo 90:3 Tu reduzes o homem ao pó, e dizes: Voltai, filhos dos homens!
Salmo 90:4 Porque mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que passou, e como uma vigília da noite.
Salmo 90:5 Tu os levas como por uma torrente; são como um sono; de manhã são como a erva que cresce;
Salmo 90:6 de manhã cresce e floresce; à tarde corta-se e seca.
Salmo 90:7 Pois somos consumidos pela tua ira, e pelo teu furor somos conturbados.
Salmo 90:8 Diante de ti puseste as nossas iniqüidades, à luz do teu rosto os nossos pecados ocultos.
Salmo 90:9 Pois todos os nossos dias vão passando na tua indignação; acabam-se os nossos anos como um suspiro.
Salmo 90:10 A duração da nossa vida é de setenta anos; e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, a medida deles é canseira e enfado; pois passa rapidamente, e nós voamos.
Salmo 90:11 Quem conhece o poder da tua ira? e a tua cólera, segundo o temor que te é devido?
Salmo 90:12 Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios.
Salmo 90:13 Volta-te para nós, Senhor! Até quando? Tem compaixão dos teus servos.
Salmo 90:14 Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que nos regozijemos e nos alegremos todos os nossos dias.
Salmo 90:15 Alegra-nos pelos dias em que nos afligiste, e pelos anos em que vimos o mal.
Salmo 90:16 Apareça a tua obra aos teus servos, e a tua glória sobre seus filhos.
Salmo 90:17 Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; e confirma sobre nós a obra das nossas mãos; sim, confirma a obra das nossas mãos.
Salmo 90:2 Antes que nascessem os montes, ou que tivesses formado a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade tu és Deus.
Salmo 90:3 Tu reduzes o homem ao pó, e dizes: Voltai, filhos dos homens!
Salmo 90:4 Porque mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que passou, e como uma vigília da noite.
Salmo 90:5 Tu os levas como por uma torrente; são como um sono; de manhã são como a erva que cresce;
Salmo 90:6 de manhã cresce e floresce; à tarde corta-se e seca.
Salmo 90:7 Pois somos consumidos pela tua ira, e pelo teu furor somos conturbados.
Salmo 90:8 Diante de ti puseste as nossas iniqüidades, à luz do teu rosto os nossos pecados ocultos.
Salmo 90:9 Pois todos os nossos dias vão passando na tua indignação; acabam-se os nossos anos como um suspiro.
Salmo 90:10 A duração da nossa vida é de setenta anos; e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, a medida deles é canseira e enfado; pois passa rapidamente, e nós voamos.
Salmo 90:11 Quem conhece o poder da tua ira? e a tua cólera, segundo o temor que te é devido?
Salmo 90:12 Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios.
Salmo 90:13 Volta-te para nós, Senhor! Até quando? Tem compaixão dos teus servos.
Salmo 90:14 Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que nos regozijemos e nos alegremos todos os nossos dias.
Salmo 90:15 Alegra-nos pelos dias em que nos afligiste, e pelos anos em que vimos o mal.
Salmo 90:16 Apareça a tua obra aos teus servos, e a tua glória sobre seus filhos.
Salmo 90:17 Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; e confirma sobre nós a obra das nossas mãos; sim, confirma a obra das nossas mãos.
Paulo Bonfim
Primeiro foi o mar, selva noturna
Com solidão de estrela na manhã;
Houve ramos de sal sobre saudades,
E falhas transparentes de lembranças
Primeiro foi o mar, terra perdida
Na oscilação de vales e montanhas,
Houve marcos plantado em salsugem,
E fronteiras na espuma descoberta.
Primeiro foi o mar, o chão de espanto,
Sulcado pela quirela dos arados
Que o vento fecundou em noite escura...
Depois, houve caminhos e sementes;
O sonho despertou sereias brancas,
E a treva amanheceu em madrugada.
Armorial I - Paulo Bonfim
Tão tarde seria
Se apenas chegasses
Vestida de verbos
Que as lendas conjugam.
Se fosses o afago
Pousado em meu braço,
O vago retórico
De gaios torneios
Tão tarde
seria se apenas trouxesses
o limbo em teu ventre
e cítaras mudas
tocadas de ausência
se esfera flutuassem
no vinho proibido,
apenas legasses
o sal a meu golfo,
e um gosto do vazio
aos frutos que espero;
tão tarde seria!
Canções – Paulo Bonfim
Com solidão de estrela na manhã;
Houve ramos de sal sobre saudades,
E falhas transparentes de lembranças
Primeiro foi o mar, terra perdida
Na oscilação de vales e montanhas,
Houve marcos plantado em salsugem,
E fronteiras na espuma descoberta.
Primeiro foi o mar, o chão de espanto,
Sulcado pela quirela dos arados
Que o vento fecundou em noite escura...
Depois, houve caminhos e sementes;
O sonho despertou sereias brancas,
E a treva amanheceu em madrugada.
Armorial I - Paulo Bonfim
Tão tarde seria
Se apenas chegasses
Vestida de verbos
Que as lendas conjugam.
Se fosses o afago
Pousado em meu braço,
O vago retórico
De gaios torneios
Tão tarde
seria se apenas trouxesses
o limbo em teu ventre
e cítaras mudas
tocadas de ausência
se esfera flutuassem
no vinho proibido,
apenas legasses
o sal a meu golfo,
e um gosto do vazio
aos frutos que espero;
tão tarde seria!
Canções – Paulo Bonfim
Paulo Leminski
A Multiplicidade do Real
Que existe mais, senão afirmar a multiplicidade do real?
A igual probabilidade dos eventos impossíveis?
A eterna troca de tudo em tudo?
A única realidade absoluta?
Seres se traduzem.
Tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma.
Tudo irremediavelmente metamorfose!
Paulo Leminski
Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não, Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.
Paulo Leminski
AVISO AOS NÁUFRAGOS
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialétos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?
Paulo Leminski
...
Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esauina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha
Paulo Leminski
Que existe mais, senão afirmar a multiplicidade do real?
A igual probabilidade dos eventos impossíveis?
A eterna troca de tudo em tudo?
A única realidade absoluta?
Seres se traduzem.
Tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma.
Tudo irremediavelmente metamorfose!
Paulo Leminski
Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não, Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.
Paulo Leminski
AVISO AOS NÁUFRAGOS
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialétos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?
Paulo Leminski
...
Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esauina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha
Paulo Leminski
PAULO BONFIM
Deixa que as coisas te interpretem
Que o vento sinta tua pele,
Que as pedras meditem teus passos,
E as águas criem tua realidade.
Vive o mistério da terra,
O segredo da semente,
O caminho da seiva,
O milagre do fruto.
Deixa que as coisas meditem sobre ti
Que ventos,pedras e águas recriem tua imagem;
Entende a mão que te acolheu,
A lâmina que te despe
E sangra teu silêncio,
Reflete o mundo branco que te mastiga,
Transforma-te em carne,e em galeras de sangue.
Regressa
A vida terá partido,com bicos noturnos,
A casca da palavra.
-Descoberta - Paulo Bonfim - 50 anos de Poesia
A Água
Despe, na solidão da tarde,
Tua roupagem manchada de quotidiano,
E deixa que a chuva molhe teus cabelos
E vista teu corpo de escamas de prata.
Pousa, em teus ombros, o manto dos lagos
E colhe no cântaro de tuas mãos
A música dos dias que adormeceram
No fundo de teu ser.
Mármores líquidos moldarão teu corpo.
Nuvem,
Penetrarás a carne da manhã.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
SONETO V
Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.
É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.
Que emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.
Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
E, em lucidez, serei minha loucura.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 –
Que o vento sinta tua pele,
Que as pedras meditem teus passos,
E as águas criem tua realidade.
Vive o mistério da terra,
O segredo da semente,
O caminho da seiva,
O milagre do fruto.
Deixa que as coisas meditem sobre ti
Que ventos,pedras e águas recriem tua imagem;
Entende a mão que te acolheu,
A lâmina que te despe
E sangra teu silêncio,
Reflete o mundo branco que te mastiga,
Transforma-te em carne,e em galeras de sangue.
Regressa
A vida terá partido,com bicos noturnos,
A casca da palavra.
-Descoberta - Paulo Bonfim - 50 anos de Poesia
A Água
Despe, na solidão da tarde,
Tua roupagem manchada de quotidiano,
E deixa que a chuva molhe teus cabelos
E vista teu corpo de escamas de prata.
Pousa, em teus ombros, o manto dos lagos
E colhe no cântaro de tuas mãos
A música dos dias que adormeceram
No fundo de teu ser.
Mármores líquidos moldarão teu corpo.
Nuvem,
Penetrarás a carne da manhã.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
SONETO V
Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.
É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.
Que emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.
Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
E, em lucidez, serei minha loucura.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 –
autoria desconhecida
(...)Cada estação da vida
é uma edição que corrige a anterior,
E que será corrigida também,
até a edição definitiva,
Que o editor dá de graça aos vermes(...)
Autoria desconhecida
é uma edição que corrige a anterior,
E que será corrigida também,
até a edição definitiva,
Que o editor dá de graça aos vermes(...)
Autoria desconhecida
Escutatória - Rubem Alves
OUVIR É PURA ARTE
Escutatória - Rubem Alves
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de
escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a dificuldade:
A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.
Há um longo, longo silêncio.
Vejam a semelhança...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...
Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.
Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...
Pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.
Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.
É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência...
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...
Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
"Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade"
Sempre que interrompemos uma pessoa que está falando algo , é pq na verdade sempre achamos o que nós temos a dizer é muito mais interessante.
Sutil arrogância e vaidade. Concordo.
Escutatória - Rubem Alves
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de
escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a dificuldade:
A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.
Há um longo, longo silêncio.
Vejam a semelhança...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...
Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.
Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...
Pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.
Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.
É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência...
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...
Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
"Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade"
Sempre que interrompemos uma pessoa que está falando algo , é pq na verdade sempre achamos o que nós temos a dizer é muito mais interessante.
Sutil arrogância e vaidade. Concordo.
J. Keats
"...A poesia nos deve surpreender pelo seu delicado excesso e não porque é diferente. Os versos devem tocar nosso próximo, como se ele tivesse lembrado algo que nas noites dos tempos já conhecia em seu coração.
A beleza de um poema não está na capacidade que ele tem de deixar o leitor contente.
A poesia é sempre uma surpresa, capaz de nos tirar a respiração por alguns momentos.
Ela deve permanecer em nossas vidas como o pôr-do-sol:
- Algo milagroso e natural ao mesmo tempo".
J. Keats
A beleza de um poema não está na capacidade que ele tem de deixar o leitor contente.
A poesia é sempre uma surpresa, capaz de nos tirar a respiração por alguns momentos.
Ela deve permanecer em nossas vidas como o pôr-do-sol:
- Algo milagroso e natural ao mesmo tempo".
J. Keats
FERNANDO PESSOA
O vento levantou-se...
Primeiro era como a voz de um vácuo...
Um soprar do espaço para dentro de um buraco,
Uma falta no silêncio no ar.
Depois ergueu-se um soluço,
Um soluço do fundo do mundo,
O sentir-se que tremiam vidraças
E que era realmente vento.
Depois soou mais alto, urro surdo
Um chorar sem ser ante o aumentar nocturno
Um ranger de coisas, um chorar de bocados,
Um átomo de fim do mundo.
Fernando Pessoa – livro do Desassossego 52.
Primeiro era como a voz de um vácuo...
Um soprar do espaço para dentro de um buraco,
Uma falta no silêncio no ar.
Depois ergueu-se um soluço,
Um soluço do fundo do mundo,
O sentir-se que tremiam vidraças
E que era realmente vento.
Depois soou mais alto, urro surdo
Um chorar sem ser ante o aumentar nocturno
Um ranger de coisas, um chorar de bocados,
Um átomo de fim do mundo.
Fernando Pessoa – livro do Desassossego 52.
HILDA HILST
‘’Mandíbulas. Espáduas.Frente e Avesso.
A vida ressoa o coturno na calçada.
Estou mais que viva: embriagada.
Bêbados e louco é que repensam
A carne e o corpo.
Vastidão e cinzas
Conceitos e palavras’’
(Alcoólicas- Do desejo 1993 Hilda Hilst)
A vida ressoa o coturno na calçada.
Estou mais que viva: embriagada.
Bêbados e louco é que repensam
A carne e o corpo.
Vastidão e cinzas
Conceitos e palavras’’
(Alcoólicas- Do desejo 1993 Hilda Hilst)
PULO BONFIM- SONETOS
O Ar
Em nossa transparência
Os muros da carne.
Em nossa angústia
O vento rebelde.
Em nossa nuvem
O vôo do pássaro.
Em nossa fonte
A água invisível.
Em nossa árvore
A serpente do nada.
Somos o ar
Na torre das palavras.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
Som Distante
Pela janela aberta para o céu de estrelas,
Penetrou, pelo meu quarto adentro,
O rumor de um corpo que é lançado ao mar!
A eleita de meus sonhos
Teve por última morada
O fundo do Oceano!
Seus cabelos loiros são agora
Mensagens da luz do sol
No abismo das águas.
Seu corpo, muito branco,
Quando livrar-se da mortalha
Que os marinheiros rudes coseram,
Será, na imensa noite oceânica,
Um raio de luar a percorrer abismos.
A eleita de meus sonhos
Teve por última morada
O fundo do Oceano!
Os bancos submersos de corais,
As esverdeadas águas,
Hão de invejar seus lábios rubros
E a cor de seus olhos verdes;
Suas mãos espirituais
Serão estrelas de cinco pontas
Correndo o mundo das águas.
Um corpo amortalhado foi lançado ao mar!
Algo de estranho passou dentro de mim!
Pois sinto-me afastado para sempre
Do círculo vicioso da Esperança!
In: BOMFIM, Paulo. Antônio Triste. Pref. Guilherme de Almeida. Il. Tarsila do Amaral. São Paulo: Martins, 1946
Soneto XVII
[Noites que são galeras cor do tempo]
Noites que são galeras cor do tempo:
Velas de sombra pousam na paisagem,
E o silêncio desperta outro silêncio,
Nos mudos tripulantes que hoje somos!
Noites que são galeras cor da morte:
Quilhas de ônix e grandes remos de ébano,
Revolvem singraduras de luar
No mar atormentado de lembranças!
Noite que são galeras cor do espaço:
Grandes barcos de treva carregados
De abismos e de pétalas de luz!
Noites que são galeras que não voltam:
Um dia chegaremos ao refúgio
Das naus transfiguradas em passado!
Poema integrante da série Sonetos Branco.
In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955
XXIII
[A linguagem do eterno]
A linguagem do eterno
Principia no efêmero.
Em nosso mar
A intuição é pérola.
Poema integrante da série Prelúdios de Inverno.
In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955
"AI DAQUELES'
Ai daqueles que brincam com a esperança de um povo!
Ai daqueles que se banqueteiam junto à fome de seus irmãos!
Ai daqueles que são fúteis numa hora grave,
Indiferentes num momento definitivo!
Ai daqueles que fazem da mentira a verdade de suas vidas!
Ai daqueles que usam os simples como degraus de sua vaidade
e instrumento de sua ambição!
Ai daqueles que fabricam com a violência a trama do medo!
Ai daqueles que usam o dinheiro para prostituir,
humilhar e deformar!
Ai daqueles que se atordoam
para fugir das próprias responsabilidades!
Ai daqueles que traficam a terra de seus mortos enxovalham
tradições e traem compromissos com o presente e com o futuro!
Ai daqueles que se fazem de fracos no instante da tempestade!
Ai daqueles que se acomodam a tudo, que se resignam a tudo,
que se entregam sem lutar!
Ai daqueles que loteiam seus corações, alugam suas consciências,
transacionam com a honra,
especulam com o bem, açambarcam a
felicidade alheia e erguem virtudes falsas sobre pântanos!
Ai daqueles que concordam em morrer vivos!
PAULO BONFIM
ARMORIAL, XI
Por certo hei de cantar esquecimento
Manhãs paulistas onde sou raízes...
Recordações ondulam neste campo
Onde o vento conduz a minha história.
Por certo nascerei em cada folha
Sonhada na madeira das canoas,
E minhas penas brilharão na fronte
De astrais caciques conduzindo noites.
Por certo cantarei pegadas mortas,
Marcando em minha carne seus caminhos
Desbravados em células remotas...
Que estes versos queimados de horizonte,
Falem dialetos puros e selvagens,
Nas manhãs mamelucas que hoje canto.
Paulo Bonfim
SONETO I
No ramo a flor será sempre segredo
Moldando realidades no vazio,
Caminho de perfume, rosa e estio,
Crescendo além dos roseirais do medo.
Histórias das raízes sem enredo ...
Rolam frases de terra pelo rio,
As consoantes de luz tremem de frio
E as vogais orvalhadas morrem cedo.
No ramo a flor será sempre futuro,
Haste e corola nos confins do sonho,
Marcando de infinito a cor do muro ...
Sempre a cor sobre a senda debruçada,
E o perfume crescendo onde reponho
O sentido da flor despetalada.
Paulo Bomfim –
in Sonetos – l.959 - 24/05/08 Maria Madalena
SONETO II
O livro que hoje escrevo foi escrito
Em outro plano estático e diverso,
Sei que morro no fim de cada verso
E renasço no início de outro mito.
Em cada letra tinta de infinito
Há um diálogo mudo que converso
Com nebulosas de meu universo
Onde nasceu a página que dito.
Sei que sou neste instante o que já fui,
E aquilo que recebo agora flui
De um campo superior onde me deito.
Durmo além, nessa plaga que recordo;
Só escrevo neste plano onde hoje acordo,
Aquilo que ainda sonho no outro leito.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 24/05/08 Maria Madalena
SONETO III
Nascer do verso puro e correntio,
Brotar da fonte feita de miragem,
Sentir que em nós, outros espectros agem
Vivendo em nossa pele de arrepio.
Rolar no próprio espanto a voz do rio
Sumindo em chão secreto da mensagem,
Saber que os olhos são também paisagem
Vista de além do céu perdido e frio.
Nascer em cada sopro de universo,
Ser alma navegando o som do verso
Em sílabas de espelho pelo porto.
Chorarmos vida no destino morto;
Sabendo que esse pranto assim convulso
É o tema que hoje bate em nosso pulso.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 - 29/05/08 Maria Madalena
SONETO IV
Onde guardar a esquiva luz dos fastos
Escritos no papiro das areias?
Longe é o mar, canto verde de sereias,
Mais longe é o tempo com seus campos vastos.
Que memória retém minutos castos
Que a vida foi prendendo em suas teias,
Hoje que a morte passa em nossas veias
Trilhando o sangue dos caminhos gastos!
Agora que as memórias esquecidas
São pássaros batendo asas de fumo
Na sombra que anuncia despedidas ...
Agora, nuvem triste em sol deposto,
Onde guardar a esquiva luz de um rumo,
Se a vida anoitece em nosso rosto!
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO V
Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.
É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.
Que emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.
Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
E, em lucidez, serei minha loucura.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO VI
Sei que fui viandante, o mar, os olhos
Da noite que hoje mora nos cabelos,
Fechei meus passos com noturnos selos
E em desenhos nublados fiz meus sólios.
Sei que sou maresia nos escolhos
Unindo além do sal de tantos elos
Ilhas e continentes, sem perdê-los
Na areia, nas palavras, nos abrolhos.
Sei que seria a vida renascida
Das ondas verdes que já não se espraiam
Na página de sombra já relida.
Sei que serei aquele que convence o
Espanto das estrelas que desmaiam
E acordam transformadas em silêncio.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO VII
Deixa que eu seja o mar unicamente,
Sem praias, sem montanhas de alegria;
- Corta-me os tubos de ar da noite fria,
E não roubes de mim o sal ardente.
Se as ilhas já cantei antigamente,
Hoje canto os segredos sem o dia,
As cavernas de sombra e maresia,
Os céus de espuma desta vida ausente.
Crescendo-me nos pés as nadadeiras,
Leve-me ao fundo de meu próprio mal
A carne destas ondas companheiras ...
Então, nas águas onde tu me deixes,
Pensarei escafandros de cristal,
E as guelras, e as escamas de meus peixes.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 - 12/06/08 Maria Madalena
SONETO VIII
Este crescer constante das paredes
Onde guardo retratos do infinito,
As tintas apagadas de meu grito
E os lábios de papel bebendo sedes;
Tetos que vão fugindo, onde não credes
Possam viver lanternas de granito,
Luzes astrais surgidas de outro mito
Pescado nas escamas de outras redes;
Paredes que plantei em chãos de outrora,
Onde a paisagem era o fim e o centro,
E as portas davam nos confins da aurora ...
Sei que o teto me foge como as naves:
Agora que se apaga a voz de dentro,
A vida emigra na canção das aves.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 –
Em nossa transparência
Os muros da carne.
Em nossa angústia
O vento rebelde.
Em nossa nuvem
O vôo do pássaro.
Em nossa fonte
A água invisível.
Em nossa árvore
A serpente do nada.
Somos o ar
Na torre das palavras.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
Som Distante
Pela janela aberta para o céu de estrelas,
Penetrou, pelo meu quarto adentro,
O rumor de um corpo que é lançado ao mar!
A eleita de meus sonhos
Teve por última morada
O fundo do Oceano!
Seus cabelos loiros são agora
Mensagens da luz do sol
No abismo das águas.
Seu corpo, muito branco,
Quando livrar-se da mortalha
Que os marinheiros rudes coseram,
Será, na imensa noite oceânica,
Um raio de luar a percorrer abismos.
A eleita de meus sonhos
Teve por última morada
O fundo do Oceano!
Os bancos submersos de corais,
As esverdeadas águas,
Hão de invejar seus lábios rubros
E a cor de seus olhos verdes;
Suas mãos espirituais
Serão estrelas de cinco pontas
Correndo o mundo das águas.
Um corpo amortalhado foi lançado ao mar!
Algo de estranho passou dentro de mim!
Pois sinto-me afastado para sempre
Do círculo vicioso da Esperança!
In: BOMFIM, Paulo. Antônio Triste. Pref. Guilherme de Almeida. Il. Tarsila do Amaral. São Paulo: Martins, 1946
Soneto XVII
[Noites que são galeras cor do tempo]
Noites que são galeras cor do tempo:
Velas de sombra pousam na paisagem,
E o silêncio desperta outro silêncio,
Nos mudos tripulantes que hoje somos!
Noites que são galeras cor da morte:
Quilhas de ônix e grandes remos de ébano,
Revolvem singraduras de luar
No mar atormentado de lembranças!
Noite que são galeras cor do espaço:
Grandes barcos de treva carregados
De abismos e de pétalas de luz!
Noites que são galeras que não voltam:
Um dia chegaremos ao refúgio
Das naus transfiguradas em passado!
Poema integrante da série Sonetos Branco.
In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955
XXIII
[A linguagem do eterno]
A linguagem do eterno
Principia no efêmero.
Em nosso mar
A intuição é pérola.
Poema integrante da série Prelúdios de Inverno.
In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955
"AI DAQUELES'
Ai daqueles que brincam com a esperança de um povo!
Ai daqueles que se banqueteiam junto à fome de seus irmãos!
Ai daqueles que são fúteis numa hora grave,
Indiferentes num momento definitivo!
Ai daqueles que fazem da mentira a verdade de suas vidas!
Ai daqueles que usam os simples como degraus de sua vaidade
e instrumento de sua ambição!
Ai daqueles que fabricam com a violência a trama do medo!
Ai daqueles que usam o dinheiro para prostituir,
humilhar e deformar!
Ai daqueles que se atordoam
para fugir das próprias responsabilidades!
Ai daqueles que traficam a terra de seus mortos enxovalham
tradições e traem compromissos com o presente e com o futuro!
Ai daqueles que se fazem de fracos no instante da tempestade!
Ai daqueles que se acomodam a tudo, que se resignam a tudo,
que se entregam sem lutar!
Ai daqueles que loteiam seus corações, alugam suas consciências,
transacionam com a honra,
especulam com o bem, açambarcam a
felicidade alheia e erguem virtudes falsas sobre pântanos!
Ai daqueles que concordam em morrer vivos!
PAULO BONFIM
ARMORIAL, XI
Por certo hei de cantar esquecimento
Manhãs paulistas onde sou raízes...
Recordações ondulam neste campo
Onde o vento conduz a minha história.
Por certo nascerei em cada folha
Sonhada na madeira das canoas,
E minhas penas brilharão na fronte
De astrais caciques conduzindo noites.
Por certo cantarei pegadas mortas,
Marcando em minha carne seus caminhos
Desbravados em células remotas...
Que estes versos queimados de horizonte,
Falem dialetos puros e selvagens,
Nas manhãs mamelucas que hoje canto.
Paulo Bonfim
SONETO I
No ramo a flor será sempre segredo
Moldando realidades no vazio,
Caminho de perfume, rosa e estio,
Crescendo além dos roseirais do medo.
Histórias das raízes sem enredo ...
Rolam frases de terra pelo rio,
As consoantes de luz tremem de frio
E as vogais orvalhadas morrem cedo.
No ramo a flor será sempre futuro,
Haste e corola nos confins do sonho,
Marcando de infinito a cor do muro ...
Sempre a cor sobre a senda debruçada,
E o perfume crescendo onde reponho
O sentido da flor despetalada.
Paulo Bomfim –
in Sonetos – l.959 - 24/05/08 Maria Madalena
SONETO II
O livro que hoje escrevo foi escrito
Em outro plano estático e diverso,
Sei que morro no fim de cada verso
E renasço no início de outro mito.
Em cada letra tinta de infinito
Há um diálogo mudo que converso
Com nebulosas de meu universo
Onde nasceu a página que dito.
Sei que sou neste instante o que já fui,
E aquilo que recebo agora flui
De um campo superior onde me deito.
Durmo além, nessa plaga que recordo;
Só escrevo neste plano onde hoje acordo,
Aquilo que ainda sonho no outro leito.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 24/05/08 Maria Madalena
SONETO III
Nascer do verso puro e correntio,
Brotar da fonte feita de miragem,
Sentir que em nós, outros espectros agem
Vivendo em nossa pele de arrepio.
Rolar no próprio espanto a voz do rio
Sumindo em chão secreto da mensagem,
Saber que os olhos são também paisagem
Vista de além do céu perdido e frio.
Nascer em cada sopro de universo,
Ser alma navegando o som do verso
Em sílabas de espelho pelo porto.
Chorarmos vida no destino morto;
Sabendo que esse pranto assim convulso
É o tema que hoje bate em nosso pulso.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 - 29/05/08 Maria Madalena
SONETO IV
Onde guardar a esquiva luz dos fastos
Escritos no papiro das areias?
Longe é o mar, canto verde de sereias,
Mais longe é o tempo com seus campos vastos.
Que memória retém minutos castos
Que a vida foi prendendo em suas teias,
Hoje que a morte passa em nossas veias
Trilhando o sangue dos caminhos gastos!
Agora que as memórias esquecidas
São pássaros batendo asas de fumo
Na sombra que anuncia despedidas ...
Agora, nuvem triste em sol deposto,
Onde guardar a esquiva luz de um rumo,
Se a vida anoitece em nosso rosto!
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO V
Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.
É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.
Que emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.
Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
E, em lucidez, serei minha loucura.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO VI
Sei que fui viandante, o mar, os olhos
Da noite que hoje mora nos cabelos,
Fechei meus passos com noturnos selos
E em desenhos nublados fiz meus sólios.
Sei que sou maresia nos escolhos
Unindo além do sal de tantos elos
Ilhas e continentes, sem perdê-los
Na areia, nas palavras, nos abrolhos.
Sei que seria a vida renascida
Das ondas verdes que já não se espraiam
Na página de sombra já relida.
Sei que serei aquele que convence o
Espanto das estrelas que desmaiam
E acordam transformadas em silêncio.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO VII
Deixa que eu seja o mar unicamente,
Sem praias, sem montanhas de alegria;
- Corta-me os tubos de ar da noite fria,
E não roubes de mim o sal ardente.
Se as ilhas já cantei antigamente,
Hoje canto os segredos sem o dia,
As cavernas de sombra e maresia,
Os céus de espuma desta vida ausente.
Crescendo-me nos pés as nadadeiras,
Leve-me ao fundo de meu próprio mal
A carne destas ondas companheiras ...
Então, nas águas onde tu me deixes,
Pensarei escafandros de cristal,
E as guelras, e as escamas de meus peixes.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 - 12/06/08 Maria Madalena
SONETO VIII
Este crescer constante das paredes
Onde guardo retratos do infinito,
As tintas apagadas de meu grito
E os lábios de papel bebendo sedes;
Tetos que vão fugindo, onde não credes
Possam viver lanternas de granito,
Luzes astrais surgidas de outro mito
Pescado nas escamas de outras redes;
Paredes que plantei em chãos de outrora,
Onde a paisagem era o fim e o centro,
E as portas davam nos confins da aurora ...
Sei que o teto me foge como as naves:
Agora que se apaga a voz de dentro,
A vida emigra na canção das aves.
Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 –
Henriqueta Lisboa
'Noturno '
Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.
Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,
dançam livres como libélulas
em redor do fogo.
Henriqueta Lisboa
Publicado: Prisioneira da Noite (1941
Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.
Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,
dançam livres como libélulas
em redor do fogo.
Henriqueta Lisboa
Publicado: Prisioneira da Noite (1941
desconheço a autoria
No teu corpo...
Escrevo um poema no teu corpo
Escrevo-o com palavras-mãos
Soletrando as palavras
Desejo lascívia
Carícia e prazer
Não vou pontuar o meu poema
Nada de vírgulas
Pontos finais
Mudanças de parágrafo
Não quero pausas
No meu poema-corpo
Escrevo-o sem parar
Sem respirar
De cima para baixo
Subvertendo a palavra crescendo
Risco cravo o poema
No teu corpo-página
Até ficares preenchido
Coberto repleto
De traços riscos e letras
Até só haver espaço
Para a palavra orgasmo
E não faltar escrever
Senão a palavra
Fim
publicado por Pensador Insuspeito às 11:42
Escrevo um poema no teu corpo
Escrevo-o com palavras-mãos
Soletrando as palavras
Desejo lascívia
Carícia e prazer
Não vou pontuar o meu poema
Nada de vírgulas
Pontos finais
Mudanças de parágrafo
Não quero pausas
No meu poema-corpo
Escrevo-o sem parar
Sem respirar
De cima para baixo
Subvertendo a palavra crescendo
Risco cravo o poema
No teu corpo-página
Até ficares preenchido
Coberto repleto
De traços riscos e letras
Até só haver espaço
Para a palavra orgasmo
E não faltar escrever
Senão a palavra
Fim
publicado por Pensador Insuspeito às 11:42
FERNANDO PESSOA
Ninguém compreende outro.Somos,como disse o poeta,ilhas no mar da vida;
Corre entre nós o mar que nos define e separa.
Por mais que uma alma se esforce por saber o que é outra alma,
Não saberá senão o que lhe diga uma palavra – sombra disforme no chão do seu
Entendimento.
Amo as expressões porque não sei nada do que exprimem(...) – Fernando Pessoa
Livro do Desassossego – 359
...o sagrado instinto de não ter teorias ... 253
Apoteose do absurdo -371 Livro do Desassossego - Fernando Pessoa
Falo a sério e tristemente;este assunto não é para alegria,
Porque as alegrias do sonho são contraditórias e entristecidas
E por isso aprazíveis de uma misteriosa maneira especial.
Sigo às vezes em mim,imparcialmente,essas coisas deliciosas e absurdas
Que eu não posso poder ver,porque são ilógicas à vista –pontes sem donde nem para onde,
Estradas sem principio nem fim,paisagens invertidas- o absurdo ,o ilógico,o contraditório,
Tudo quanto nos desliga e afasta do real e do seu séquito disforme de pensamentos
Práticos e sentimentos humanos e desejos de acção útil e profícua.O absurdo salva de chegar
A pesar de tédio aquele estado de alma que começa por se sentir a doce fúria de sonhar.
E chego a ter não sei que misterioso modo de visionar esses absurdos - não sei explicar,mas eu vejo essas coisas inconcebíveis à visão.
Apoteose do Absurdo - 372
Absurdemos a vida,de leste a oeste.
Corre entre nós o mar que nos define e separa.
Por mais que uma alma se esforce por saber o que é outra alma,
Não saberá senão o que lhe diga uma palavra – sombra disforme no chão do seu
Entendimento.
Amo as expressões porque não sei nada do que exprimem(...) – Fernando Pessoa
Livro do Desassossego – 359
...o sagrado instinto de não ter teorias ... 253
Apoteose do absurdo -371 Livro do Desassossego - Fernando Pessoa
Falo a sério e tristemente;este assunto não é para alegria,
Porque as alegrias do sonho são contraditórias e entristecidas
E por isso aprazíveis de uma misteriosa maneira especial.
Sigo às vezes em mim,imparcialmente,essas coisas deliciosas e absurdas
Que eu não posso poder ver,porque são ilógicas à vista –pontes sem donde nem para onde,
Estradas sem principio nem fim,paisagens invertidas- o absurdo ,o ilógico,o contraditório,
Tudo quanto nos desliga e afasta do real e do seu séquito disforme de pensamentos
Práticos e sentimentos humanos e desejos de acção útil e profícua.O absurdo salva de chegar
A pesar de tédio aquele estado de alma que começa por se sentir a doce fúria de sonhar.
E chego a ter não sei que misterioso modo de visionar esses absurdos - não sei explicar,mas eu vejo essas coisas inconcebíveis à visão.
Apoteose do Absurdo - 372
Absurdemos a vida,de leste a oeste.
Roberta Cazal
Não sei
Não sei fazer sonetos
Na dramaturgia do abstrato lírico
Ou mesmo a poesia do momento
Nada me ocorre - nada místico
Não sei fazer amor
Com seu sentimentalismo dolente
Ou mesmo o bruto amor ardente
Nem sei amar lascivamente
Não sei fazer, mas não saber é vão
Dispenso lições de pseudo-sábios
Tão somente a sapiência dos teus lábios
Hão de disciplinar néscio coração....
Roberta Cazal
Não sei fazer sonetos
Na dramaturgia do abstrato lírico
Ou mesmo a poesia do momento
Nada me ocorre - nada místico
Não sei fazer amor
Com seu sentimentalismo dolente
Ou mesmo o bruto amor ardente
Nem sei amar lascivamente
Não sei fazer, mas não saber é vão
Dispenso lições de pseudo-sábios
Tão somente a sapiência dos teus lábios
Hão de disciplinar néscio coração....
Roberta Cazal
Oscar Wilde
Loucos e Santos
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
Oscar Wilde
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
Oscar Wilde
Leminski
"eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro de meu centro
este poema me olha "
"Carrego o peso da lua,
Três paixões mal curadas,
Um saara de páginas,
Essa infinita madrugada.
Viver de noite
Me fez senhor do fogo.
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não.
Esse, eu mesmo carrego."
Leminski
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro de meu centro
este poema me olha "
"Carrego o peso da lua,
Três paixões mal curadas,
Um saara de páginas,
Essa infinita madrugada.
Viver de noite
Me fez senhor do fogo.
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não.
Esse, eu mesmo carrego."
Leminski
Roseana Murray
'Jogo da Verdade'
A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.
Roseana Murray
in ‘Pêra, Uva ou Maçã’(2005)
A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.
Roseana Murray
in ‘Pêra, Uva ou Maçã’(2005)
Hilda Hilst
Tudo vive em mim.Tudo se entranha
Na minha tumultuada vida.E por isso
Não te enganas,homem,meu irmão,
Quando dizes na noite,que só a mim me vejo
Vendo-me a mim,a ti.E a esses que passam
Nas manhãs,carregados de medo,de pobreza,
O olhar aguado,todos eles em mim,
Porque o poeta é irmão do escondido das gentes
Descobre além da aparência,é antes de tudo
LIVRE,e por isso conhece.Quando o poeta fala
Fala do seu quarto,não fala do palanque,
Não está no comício,não deseja riqueza
Não barganha,sabe que o ouro é sangue
Tem olhos no espírito do homem
No possível infinito.Sabe de cada um
A própria fome.E porque é assim,eu te peço:
Escuta-me.Olha-me.Enquanto vive um poeta
O homem está vivo.
Hilda Hilst
Na minha tumultuada vida.E por isso
Não te enganas,homem,meu irmão,
Quando dizes na noite,que só a mim me vejo
Vendo-me a mim,a ti.E a esses que passam
Nas manhãs,carregados de medo,de pobreza,
O olhar aguado,todos eles em mim,
Porque o poeta é irmão do escondido das gentes
Descobre além da aparência,é antes de tudo
LIVRE,e por isso conhece.Quando o poeta fala
Fala do seu quarto,não fala do palanque,
Não está no comício,não deseja riqueza
Não barganha,sabe que o ouro é sangue
Tem olhos no espírito do homem
No possível infinito.Sabe de cada um
A própria fome.E porque é assim,eu te peço:
Escuta-me.Olha-me.Enquanto vive um poeta
O homem está vivo.
Hilda Hilst
Hermann Hesse
"Entre as palavras,
existem para cada falante as prediletas e as estranhas,
preferidas e evitadas, cotidianas -
que se usam mil vezes sem temer o desgaste -
e outras - solenes - que, por mais que as amemos,
só pronunciamos ou
escrevemos com cuidado e reflexão,
como objetos raros:
fazendo as escolhas que correspondem
a essa sua solenidade.
Entre elas está para mim a palavra : FELICIDADE."
(Hermann Hesse)
existem para cada falante as prediletas e as estranhas,
preferidas e evitadas, cotidianas -
que se usam mil vezes sem temer o desgaste -
e outras - solenes - que, por mais que as amemos,
só pronunciamos ou
escrevemos com cuidado e reflexão,
como objetos raros:
fazendo as escolhas que correspondem
a essa sua solenidade.
Entre elas está para mim a palavra : FELICIDADE."
(Hermann Hesse)
Helena Kolody
Trilha Batida
Em todos os caminhos,
vestígios de outros passos.
A própria voz se perde
no vozear imenso.
Há muito,alguém pensou
os nossos pensamentos.
Só existe um refúgio,
uma posse,
um domínio defendido:
o profundo de nós mesmos,
singular
e indevassável.
Helena Kolody
'ALMA'
Se eu pudesse fugir à planície da vida...
Como um arranha-céu de fronte de granito,
Iria projetar uma estrutura de aço
Para a cintilação remota das estrelas,
Para a serenidade inefável do espaço.
(1977)
Helena Kolodi em 'Correnteza' 1.977-
Evolução
Caem as folhas de repente,
brotam outras pelos ramos,
murcham flores, surgem pomos
e a planta volta à semente.
Assim somos. Sutilmente,
diferimos do que fomos.
Impossível transmitir,
por secreto e singular,
o acrescentar e perder
desse crescer que é mudar.
Helena Kolody
Alegrias
As alegrias passam por mim
Qual um sonoro bando de aves brancas
Por sobre o espelho do mar.
A superfície vibra de inquietas imagens.
Mas a profundeza é sempre a mesma,
Sempre a mesma,
E é eternamente a mesma a direção das vagas.
Helena Kolody
O Dom de Ouvir
Ouvir
Como quem abraça e beija
a alma solitária
dos que ninguém escuta.
Ouvir com o coração
a confidência,
a queixa,
a longa história
dos isolados
pela indiferença alheia.
Ouvir com os olhos
e afirmar:
eu compreendo.
Nem é preciso dizer nada.
Helena Kolody
Em todos os caminhos,
vestígios de outros passos.
A própria voz se perde
no vozear imenso.
Há muito,alguém pensou
os nossos pensamentos.
Só existe um refúgio,
uma posse,
um domínio defendido:
o profundo de nós mesmos,
singular
e indevassável.
Helena Kolody
'ALMA'
Se eu pudesse fugir à planície da vida...
Como um arranha-céu de fronte de granito,
Iria projetar uma estrutura de aço
Para a cintilação remota das estrelas,
Para a serenidade inefável do espaço.
(1977)
Helena Kolodi em 'Correnteza' 1.977-
Evolução
Caem as folhas de repente,
brotam outras pelos ramos,
murcham flores, surgem pomos
e a planta volta à semente.
Assim somos. Sutilmente,
diferimos do que fomos.
Impossível transmitir,
por secreto e singular,
o acrescentar e perder
desse crescer que é mudar.
Helena Kolody
Alegrias
As alegrias passam por mim
Qual um sonoro bando de aves brancas
Por sobre o espelho do mar.
A superfície vibra de inquietas imagens.
Mas a profundeza é sempre a mesma,
Sempre a mesma,
E é eternamente a mesma a direção das vagas.
Helena Kolody
O Dom de Ouvir
Ouvir
Como quem abraça e beija
a alma solitária
dos que ninguém escuta.
Ouvir com o coração
a confidência,
a queixa,
a longa história
dos isolados
pela indiferença alheia.
Ouvir com os olhos
e afirmar:
eu compreendo.
Nem é preciso dizer nada.
Helena Kolody
NALDOVELHO
ETERNIDADE
NALDOVELHO
Não devo permitir o último beijo,
o último olhar, a última palavra...
Ainda que a porta se feche,
ficará o último desejo.
De ti, nada permitirei que seja adeus,
tudo há de me pertencer e eternamente,
meu espírito não mente.
A prova?
Haverá sempre mais um poema
NALDOVELHO
Não devo permitir o último beijo,
o último olhar, a última palavra...
Ainda que a porta se feche,
ficará o último desejo.
De ti, nada permitirei que seja adeus,
tudo há de me pertencer e eternamente,
meu espírito não mente.
A prova?
Haverá sempre mais um poema
Lenise Marques
Há dias que estou ausente:
chegam-me longínquos os ruídos externos,
atravessando camadas e camadas
de mim mesma até meu Eu.
Todo dia me perco,
e todo dia me acho,
descendo até meus internos porões
e retornando depois lentamente,
me tornando matéria, ossos...pele.
Abrindo a porta,
e saindo finalmente à luz!
E quem me vê não imagina:
Que nasço todo dia de mim mesma
e que não sei nesse processo,
e nessa passagem entre os dois mundos
...à qual deles realmente pertenço!
Lenise Marques
chegam-me longínquos os ruídos externos,
atravessando camadas e camadas
de mim mesma até meu Eu.
Todo dia me perco,
e todo dia me acho,
descendo até meus internos porões
e retornando depois lentamente,
me tornando matéria, ossos...pele.
Abrindo a porta,
e saindo finalmente à luz!
E quem me vê não imagina:
Que nasço todo dia de mim mesma
e que não sei nesse processo,
e nessa passagem entre os dois mundos
...à qual deles realmente pertenço!
Lenise Marques
Mahatma Gandhi
Sobre Gandhi, Albert Einstein disse que as gerações por vir terão dificuldade em acreditar que um homem como este realmente existiu e caminhou sobre a Terra.
Orar não é pedir. Orar é a respiração da alma
A regra de ouro consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos como uma toda a família humana. Quem faz distinção entre os fiéis da própria religião e os de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para o abandono, a irreligião."
Só quando se vêem os próprios erros através de uma lente de aumento, e se faz exatamente o contrário com os erros dos outros, é que se pode chegar à justa avaliação de uns e de outros.”
A única revolução possível é dentro de nós
Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias."
Mahatma Gandhi (Mahatma, do sânscrito "grande alma")
Se eu pudesse deixar algum presente a você,
deixaria aceso o sentimento de amor à vida dos seres humanos.
A consciência de aprender tudo o que nos foi ensinado pelo tempo afora.
Lembraria os erros que foram cometidos, como sinais
para que não mais se repetissem.
A capacidade de escolher novos rumos.
Deixaria para você, se pudesse, o respeito aquilo que é indispensável:
alem do pão, o trabalho e a ação.
E, quando tudo mais faltasse, para você eu deixaria, se pudesse, um segredo.
O de buscar no interior de si mesmo a resposta para encontrar a saída.
Mahatma Gandhi
Não tente adivinhar o que as pessoas pensam a seu respeito.
Faça a sua parte, se doe sem medo.
O que importa mesmo é o que você é...
Mesmo que outras pessoas não se importem.
Atitudes simples podem melhorar sua vida.
Não julgue para não ser julgado...
Um covarde é incapaz de demonstrar amor, isso é privilégio dos corajosos.“
(Mahatma Gandhi)
Orar não é pedir. Orar é a respiração da alma
A regra de ouro consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos como uma toda a família humana. Quem faz distinção entre os fiéis da própria religião e os de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para o abandono, a irreligião."
Só quando se vêem os próprios erros através de uma lente de aumento, e se faz exatamente o contrário com os erros dos outros, é que se pode chegar à justa avaliação de uns e de outros.”
A única revolução possível é dentro de nós
Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias."
Mahatma Gandhi (Mahatma, do sânscrito "grande alma")
Se eu pudesse deixar algum presente a você,
deixaria aceso o sentimento de amor à vida dos seres humanos.
A consciência de aprender tudo o que nos foi ensinado pelo tempo afora.
Lembraria os erros que foram cometidos, como sinais
para que não mais se repetissem.
A capacidade de escolher novos rumos.
Deixaria para você, se pudesse, o respeito aquilo que é indispensável:
alem do pão, o trabalho e a ação.
E, quando tudo mais faltasse, para você eu deixaria, se pudesse, um segredo.
O de buscar no interior de si mesmo a resposta para encontrar a saída.
Mahatma Gandhi
Não tente adivinhar o que as pessoas pensam a seu respeito.
Faça a sua parte, se doe sem medo.
O que importa mesmo é o que você é...
Mesmo que outras pessoas não se importem.
Atitudes simples podem melhorar sua vida.
Não julgue para não ser julgado...
Um covarde é incapaz de demonstrar amor, isso é privilégio dos corajosos.“
(Mahatma Gandhi)
frases
"...Como houve em nós amor
E deixou de o haver?
Sei que hoje é vaga dor
O que era então prazer...
Mas não sei que passou
Por nós e acordou..."
Pessoa
Caio Fernando Abreu
Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros
Miguel Torga
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
de insatisfação.
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens."
- por João Guimarães Rosa
"Às vezes, quase acredito que eu mesmo,
João, seja um conto contado por mim."
- João Guimarães Rosa, por ele mesmo –
Caio Fernando Abreu
"Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez."
Todas do Caio F. Abreu
...E minha vida não passa de um ontem não resolvido.
“Não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia.”
Tenho tentado aprender a ser humilde. A engolir os nãos que a vida me enfia pela goela abaixo. A lamber o chão dos palácios. A me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar um café e continuar “
só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte
"Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica, psicanálise, drogas, acupuntura, suicídio, ioga, dança, natação, cooper, astrologia, patins, marxismo, candomblé, boate gay, ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora o que faço?"
Os sobreviventes
"Um dia tu vais compreender que não existe nehuma pessoa totalmente má, nehuma pessoa completamente boa. Tu vais ver que todos nós somos apenas humanos. E sofrerás muito quando resolveres dizer só aquilo que pensas e fazer só aquilo que gostas. Aí sim, todos te virarão as costas e te acharão mau por não quereres entrar na ciranda deles, compreendes? "
“Não, não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada."
"Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentado no colo de mim. "
"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que fica em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro”.
O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.
Vinícius de Moraes
Ao fim da vida, em conversa com o escritor H. F. Peters, Lou Andreas-Salomé proferiu a síntese de sua caminhada:
A vida humana – na verdade, toda a vida – é poesia. Nós a vivemos inconscientemente, dia a dia, fragmento a fragmento, mas, na sua totalidade inviolável, ela nos vive”.
A Moral não me ajuda. Sou antagônico nato. Sou uma daquelas pessoas que são feitas para exceções, não para regras.
(De Profundis)
Oscar Wilde
E deixou de o haver?
Sei que hoje é vaga dor
O que era então prazer...
Mas não sei que passou
Por nós e acordou..."
Pessoa
Caio Fernando Abreu
Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros
Miguel Torga
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
de insatisfação.
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens."
- por João Guimarães Rosa
"Às vezes, quase acredito que eu mesmo,
João, seja um conto contado por mim."
- João Guimarães Rosa, por ele mesmo –
Caio Fernando Abreu
"Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez."
Todas do Caio F. Abreu
...E minha vida não passa de um ontem não resolvido.
“Não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia.”
Tenho tentado aprender a ser humilde. A engolir os nãos que a vida me enfia pela goela abaixo. A lamber o chão dos palácios. A me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar um café e continuar “
só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte
"Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica, psicanálise, drogas, acupuntura, suicídio, ioga, dança, natação, cooper, astrologia, patins, marxismo, candomblé, boate gay, ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora o que faço?"
Os sobreviventes
"Um dia tu vais compreender que não existe nehuma pessoa totalmente má, nehuma pessoa completamente boa. Tu vais ver que todos nós somos apenas humanos. E sofrerás muito quando resolveres dizer só aquilo que pensas e fazer só aquilo que gostas. Aí sim, todos te virarão as costas e te acharão mau por não quereres entrar na ciranda deles, compreendes? "
“Não, não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada."
"Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentado no colo de mim. "
"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que fica em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro”.
O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.
Vinícius de Moraes
Ao fim da vida, em conversa com o escritor H. F. Peters, Lou Andreas-Salomé proferiu a síntese de sua caminhada:
A vida humana – na verdade, toda a vida – é poesia. Nós a vivemos inconscientemente, dia a dia, fragmento a fragmento, mas, na sua totalidade inviolável, ela nos vive”.
A Moral não me ajuda. Sou antagônico nato. Sou uma daquelas pessoas que são feitas para exceções, não para regras.
(De Profundis)
Oscar Wilde
Alberto Caiero
(...)Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva (...)
Alberto Caiero
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva (...)
Alberto Caiero
Lya Luft
Não somos nem bons nem maus:
somos tristes. Plantados entre chão
e estrelas, lutamos com sangue,
pedras e paus, sonho
e arte.
Nem vida nem morte:
somos lúcida vertigem,
glória e danação. Somos gente:
dura tarefa.
Com sorte, aqui e ali ternura
faz parte.
Lya Luft
somos tristes. Plantados entre chão
e estrelas, lutamos com sangue,
pedras e paus, sonho
e arte.
Nem vida nem morte:
somos lúcida vertigem,
glória e danação. Somos gente:
dura tarefa.
Com sorte, aqui e ali ternura
faz parte.
Lya Luft
Miguel Reale
memória
Quando a existência chega a uma curva
que nada nos aponta no caminho
a glória conquistada fica turva,
a coroa ferindo mais que o espinho.
Ter saudade de erros e perigos
e até da injúria em horas desiguais,
é como reprisar filmes antigos
sem gosto de viver tempos atuais.
O surpreendente em nossa trajetória
é percebermos, ao galgar um cume,
que só nos resta o espelho da memória.
Como é sombria essa luz do ocaso
quando a esperança toda se resume
no fruto amargo que nos der o Acaso!
Miguel Reale
Quando a existência chega a uma curva
que nada nos aponta no caminho
a glória conquistada fica turva,
a coroa ferindo mais que o espinho.
Ter saudade de erros e perigos
e até da injúria em horas desiguais,
é como reprisar filmes antigos
sem gosto de viver tempos atuais.
O surpreendente em nossa trajetória
é percebermos, ao galgar um cume,
que só nos resta o espelho da memória.
Como é sombria essa luz do ocaso
quando a esperança toda se resume
no fruto amargo que nos der o Acaso!
Miguel Reale
Clarice Lispector
------estou procurando,estou procurando.
Estou tentando entender.
Tentando dar a alguém o que vivi
E não sei a quem,mas não quero ficar com que vivi.
Não sei o que fazer do que vivi,
tenho medo dessa desorganização profunda.
Não confio no que me aconteceu.
Aconteceu-me alguma coisa que eu,pelo fato
De não saber como viver,vivi uma outra?
A isso quereria chamar desorganização,e teria
A segurança de me aventurar,porque saberia depois
Onde voltar:para a organização anterior.
A isso prefiro chamar desorganização pois
Não quero me confirmar no que vivi –
Na confirmação de mim
eu perderia o mundo como eu o tinha,
e sei que não tenho capacidade para outro.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira,
Estarei perdida porque não saberei onde engastar
Meu novo modo de ser-
se eu fosse adiante nas minhas
Visões fragmentárias,
o mundo inteiro terá de se transformar
para eu caber nele (...)
A paixão segundo GH – Clarice Lispector
Estou tentando entender.
Tentando dar a alguém o que vivi
E não sei a quem,mas não quero ficar com que vivi.
Não sei o que fazer do que vivi,
tenho medo dessa desorganização profunda.
Não confio no que me aconteceu.
Aconteceu-me alguma coisa que eu,pelo fato
De não saber como viver,vivi uma outra?
A isso quereria chamar desorganização,e teria
A segurança de me aventurar,porque saberia depois
Onde voltar:para a organização anterior.
A isso prefiro chamar desorganização pois
Não quero me confirmar no que vivi –
Na confirmação de mim
eu perderia o mundo como eu o tinha,
e sei que não tenho capacidade para outro.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira,
Estarei perdida porque não saberei onde engastar
Meu novo modo de ser-
se eu fosse adiante nas minhas
Visões fragmentárias,
o mundo inteiro terá de se transformar
para eu caber nele (...)
A paixão segundo GH – Clarice Lispector
A.Bueno
Este teu olhar...
Há, neste olhar com que me olhas,
alguma coisa a mais que não defino,
algo assim inacessível
e ao mesmo tempo tão chegado.
Há, neste olhar com que me olhas,
uma luz profunda
que me embriaga
e me faz tremer,
ciente de que me vês.
Há, em teu olhar
e no teu jeito,
alguma coisa de íntimo
que me arrebata,
e me atira
num deslumbramento
febril, inebriante.
Sei que me sentes,
embora sem palavras
nos falamos.
Tu sabes que sou a meta,
eu sei que tu és o fim. * A.Bueno
Há, neste olhar com que me olhas,
alguma coisa a mais que não defino,
algo assim inacessível
e ao mesmo tempo tão chegado.
Há, neste olhar com que me olhas,
uma luz profunda
que me embriaga
e me faz tremer,
ciente de que me vês.
Há, em teu olhar
e no teu jeito,
alguma coisa de íntimo
que me arrebata,
e me atira
num deslumbramento
febril, inebriante.
Sei que me sentes,
embora sem palavras
nos falamos.
Tu sabes que sou a meta,
eu sei que tu és o fim. * A.Bueno
anônimo - desconheço a autoria
"Em algum lugar destas terras,
há um doce olhar só para você...
Um olhar especial, de alguém especial
Um olhar de um justo coração que pulsa só a vida,
que sorri porque ama plenamente sem julgamentos,
preconceitos, nem distinções.
Hoje, como ontem, longe desses céus,
há um encantado olhar só para você...
e nesse olhar vai para você a magia da luz,
a simplicidade do perdão, a força para comungar uma vida.
Hoje, de algum lugar dentro de você,
alguém que já a amou muito,e ainda a ama,
diz para você que valeu a pena ter estado nestas terras,
sob estes céus.
Poder sentir a força que faz você sorrir
e continuar o caminho..
que um dia aquele doce olhar iniciou para você.
Tudo isso, só para você saber que a vida continua...
E que a morte, é uma viagem." ...anônimo
há um doce olhar só para você...
Um olhar especial, de alguém especial
Um olhar de um justo coração que pulsa só a vida,
que sorri porque ama plenamente sem julgamentos,
preconceitos, nem distinções.
Hoje, como ontem, longe desses céus,
há um encantado olhar só para você...
e nesse olhar vai para você a magia da luz,
a simplicidade do perdão, a força para comungar uma vida.
Hoje, de algum lugar dentro de você,
alguém que já a amou muito,e ainda a ama,
diz para você que valeu a pena ter estado nestas terras,
sob estes céus.
Poder sentir a força que faz você sorrir
e continuar o caminho..
que um dia aquele doce olhar iniciou para você.
Tudo isso, só para você saber que a vida continua...
E que a morte, é uma viagem." ...anônimo
AlexSimas
Sylvio Brasil)
Sozinho...
Minha razão me preserva
Minha emoção me suicida
E na ânsia de morrer
Desejo viver, sem saber por quê
Estou cansado, muito cansado
Sigo por ruas de muitas esquinas
Vias que me levam, apenas sigo
Ando por entre uma multidão solitária
Invisível, não me vejo não me sinto
No sorriso a placa da modelo um rosto
Zomba de minha dor, do anúncio a mensagem
Você pode ser feliz! Como se felicidade
Fossem pílulas ou saches de chá.
No papel um rasgo da boca no canto
Deforma, transforma o antes riso
A agora modelo coringa parece buscar
Nas trevas da justiça o cavaleiro
Seu Batman perdido
Sigo preso na força da camisa
Prisma da visão perdida
Foco da crença que me move
Conseguir viver no sempre que é esse agora
Olhar para trás tentando ver...
... Em que parte do caminho me perdi de você
(AlexSimas)
Sozinho...
Minha razão me preserva
Minha emoção me suicida
E na ânsia de morrer
Desejo viver, sem saber por quê
Estou cansado, muito cansado
Sigo por ruas de muitas esquinas
Vias que me levam, apenas sigo
Ando por entre uma multidão solitária
Invisível, não me vejo não me sinto
No sorriso a placa da modelo um rosto
Zomba de minha dor, do anúncio a mensagem
Você pode ser feliz! Como se felicidade
Fossem pílulas ou saches de chá.
No papel um rasgo da boca no canto
Deforma, transforma o antes riso
A agora modelo coringa parece buscar
Nas trevas da justiça o cavaleiro
Seu Batman perdido
Sigo preso na força da camisa
Prisma da visão perdida
Foco da crença que me move
Conseguir viver no sempre que é esse agora
Olhar para trás tentando ver...
... Em que parte do caminho me perdi de você
(AlexSimas)
Sylvio Brasil
Distante
Afago meu coração fortuito
Que de amar ganhou teus anos
Na distância que se aproximou muito
Contra o peito inflado de derramar tantos
Dançavas com minhas meninas loucas
De vivacidade no canto de um olhar menina
Vencendo tuas fases que não foram poucas
Vertendo uma felicidade que o coração anima
Sem oportunidades de se olhar por fora
Pousastes nas minhas estrofes ainda distraída
Para alegrar minutos que se passaram hora
Na minha inadvertida busca te encontrar saída
Docemente assanha um sorriso brejeiro
Que me desmancha rugas desses passados anos
Como se fosse um vento de espreitar certeiro
No meu lado patente de renovar de anjos.
(Retalhos/Sylvio Brasil)
Afago meu coração fortuito
Que de amar ganhou teus anos
Na distância que se aproximou muito
Contra o peito inflado de derramar tantos
Dançavas com minhas meninas loucas
De vivacidade no canto de um olhar menina
Vencendo tuas fases que não foram poucas
Vertendo uma felicidade que o coração anima
Sem oportunidades de se olhar por fora
Pousastes nas minhas estrofes ainda distraída
Para alegrar minutos que se passaram hora
Na minha inadvertida busca te encontrar saída
Docemente assanha um sorriso brejeiro
Que me desmancha rugas desses passados anos
Como se fosse um vento de espreitar certeiro
No meu lado patente de renovar de anjos.
(Retalhos/Sylvio Brasil)
Affonso Romano de Sant´Anna
Começo a olhar as coisas
como quem, se despedindo,
se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.
Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
daqui a pouco, que intimidade tenho com as estrelas
quanto mais habito a noite!
Nada mais é gratuito, tudo é ritual
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
já não mentem.
Affonso Romano de Sant´Anna
como quem, se despedindo,
se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.
Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
daqui a pouco, que intimidade tenho com as estrelas
quanto mais habito a noite!
Nada mais é gratuito, tudo é ritual
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
já não mentem.
Affonso Romano de Sant´Anna
CLARISSE LISPECTOR
Borboleta é uma pétala que voa...CLARISSE LISPECTOR
Ter dentro
de mim o contrário do que sou é em essência imprescindível...CLARISSE LISPECTOR
Milagre é uma atitude assim como o girassol vira lentamente
sua abundante corola para o sol. O milagre é a simplicidade
última de existir. O milagre é o riquíssimo girassol se explodir de caule,
corola e raiz — e ser apenas uma semente. Semente que contém o futuro.
CLARISSE LISPECTOR
Eu gosto um pouco de mim porque sou adstringente. E
emoliente. E sucupira. E vertiginosa. Estrugida. CLARISSE LISPECTOR- Um sopro de Vida
É que eu sou endêmica.
Não agüento muito tempo um sentimento porque passo a ter
angústia e meu pensamento fica ocupado com o sentimento e eu me
desvencilho dele de qualquer jeito para ganhar de novo a minha liberdade
de espírito. Sou livre para sentir. Quero ser livre para raciocinar. Aspiro a
uma fusão de corpo e alma.Não consigo compreender para os outros. Só
na desordem de meus sentimentos é que compreendo para mim mesma e
é tão incompreensível o que eu sinto que me calo e medito sobre o nada.-
Angela –Clarisse Lispector em Um sopro de amor
Ter dentro
de mim o contrário do que sou é em essência imprescindível...CLARISSE LISPECTOR
Milagre é uma atitude assim como o girassol vira lentamente
sua abundante corola para o sol. O milagre é a simplicidade
última de existir. O milagre é o riquíssimo girassol se explodir de caule,
corola e raiz — e ser apenas uma semente. Semente que contém o futuro.
CLARISSE LISPECTOR
Eu gosto um pouco de mim porque sou adstringente. E
emoliente. E sucupira. E vertiginosa. Estrugida. CLARISSE LISPECTOR- Um sopro de Vida
É que eu sou endêmica.
Não agüento muito tempo um sentimento porque passo a ter
angústia e meu pensamento fica ocupado com o sentimento e eu me
desvencilho dele de qualquer jeito para ganhar de novo a minha liberdade
de espírito. Sou livre para sentir. Quero ser livre para raciocinar. Aspiro a
uma fusão de corpo e alma.Não consigo compreender para os outros. Só
na desordem de meus sentimentos é que compreendo para mim mesma e
é tão incompreensível o que eu sinto que me calo e medito sobre o nada.-
Angela –Clarisse Lispector em Um sopro de amor
Clarice Lispetor
"Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida. Tomo conta para não me ultrapassar. Há nisto tudo aqui grande contenção. E então fico triste só para descansar. Chego a chorar manso de tristeza. Depois levanto e de novo recomeço."
"O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe e existe o mundo. Nesse estado, além da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão leve. É uma lucidez de quem não precisa mais adivinhar: sem esforço, sabe. Apenas isso: sabe. Não me pergunte o quê, porque só posso responder do mesmo modo: sabe-se"
(Água Viva - Clarice Lispetor)
"O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe e existe o mundo. Nesse estado, além da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão leve. É uma lucidez de quem não precisa mais adivinhar: sem esforço, sabe. Apenas isso: sabe. Não me pergunte o quê, porque só posso responder do mesmo modo: sabe-se"
(Água Viva - Clarice Lispetor)
Cecília Meireles
Canção do caminho
Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajeto do fumo.
Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez da canção, teu braço!
Ah! mas logo ali adiante
- tão perto!-
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.
(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)
Cecília Meireles
Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajeto do fumo.
Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez da canção, teu braço!
Ah! mas logo ali adiante
- tão perto!-
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.
(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)
Cecília Meireles
A. Severo Netto
Canto de Quase Inverno
Bêbado de silêncio e de distância
de tempo pré-velhice e pós-infância
diagonalizei-me em desvario
Fui de mim mesmo alga e cogumelo
transfixando amarra, laço e elo
na plenicarne vasta do vazio
Sufocado de treva e desencanto
de tempo pré-raiz e pós-espanto
verticalizei-me em desatino
Fui de mim mesmo início, fim e meio
trajado de amarelo desnorteio
louco sextante sem mostrar destino
Cansado de aclive e de abandono
de tempo pré-inverno e pós-outono
horizontalizei-me em desconforto
Fui de mim mesmo imagem, sombra e medo
despí-me de alarde e de segredo
colhí as velas...
...e arribei ao porto.
A. Severo Netto (Augusto 1976)
Bêbado de silêncio e de distância
de tempo pré-velhice e pós-infância
diagonalizei-me em desvario
Fui de mim mesmo alga e cogumelo
transfixando amarra, laço e elo
na plenicarne vasta do vazio
Sufocado de treva e desencanto
de tempo pré-raiz e pós-espanto
verticalizei-me em desatino
Fui de mim mesmo início, fim e meio
trajado de amarelo desnorteio
louco sextante sem mostrar destino
Cansado de aclive e de abandono
de tempo pré-inverno e pós-outono
horizontalizei-me em desconforto
Fui de mim mesmo imagem, sombra e medo
despí-me de alarde e de segredo
colhí as velas...
...e arribei ao porto.
A. Severo Netto (Augusto 1976)
Murilo Mendes
Cantiga de Malazarte
“Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo”.
Murilo Mendes
In ‘Poemas’ ( 1930
Poema Dialético
É preciso conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.
Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita:
A aurora é coletiva.
Murilo Mendes
SOMOS TODOS POETAS
Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.
Murilo Mendes
OSSOS DE BORBOLETA
"São lindos os ossos de borboleta. Bem sei que só existem em sentido figurado; ninharias que lhes deram o nome; um ceitil, um sexto de real ou do irreal, um milésimo do zero. Mas acredito teimosamente na existência dos ossos de borboleta."
"Bem sei que por exemplo os ossos de siba ou sépia são admiráveis; tanto assim que o poeta Montale batizou Ossi di seppia um dos seus melhores livros. Bem sei que o molusco de que é tipo a Sepia officinalis tornou-se precioso até na oficina do pintor."
"Mas os ossos de borboleta! Que finura, que delicadeza! Voam. "
Murilo Mendes
in Poliedro
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
Murilo Mendes
[...] Penso que todos os homens possuem o germe da poesia. Nem todos, porém, sabem ou podem comunicar a poesia em forma persuasiva. A missão particular do poeta consiste em desvendar o território da poesia, nomeando as coisas criadas e imaginadas, instalando-as no espaço da linguagem, conferindo-lhes uma dimensão nova.
Além de recorrer ao seu tesouro pessoal, à sua vivência, o poeta se inspira no inconsciente coletivo, rico em símbolos, imagens e mitos. Da linguagem universal extrai a sua linguagem específica. A linguagem, ao mesmo tempo que informa o poeta, revela-lhe sua fisionomia pessoal.
Resumindo, pode-se dizer que a operação poética é baseada em linguagem, afetividade e engenho construtivo. O poeta escreverá, portanto, para manifestar suas constelações próprias.
Murilo Mendes
“Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo”.
Murilo Mendes
In ‘Poemas’ ( 1930
Poema Dialético
É preciso conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.
Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita:
A aurora é coletiva.
Murilo Mendes
SOMOS TODOS POETAS
Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.
Murilo Mendes
OSSOS DE BORBOLETA
"São lindos os ossos de borboleta. Bem sei que só existem em sentido figurado; ninharias que lhes deram o nome; um ceitil, um sexto de real ou do irreal, um milésimo do zero. Mas acredito teimosamente na existência dos ossos de borboleta."
"Bem sei que por exemplo os ossos de siba ou sépia são admiráveis; tanto assim que o poeta Montale batizou Ossi di seppia um dos seus melhores livros. Bem sei que o molusco de que é tipo a Sepia officinalis tornou-se precioso até na oficina do pintor."
"Mas os ossos de borboleta! Que finura, que delicadeza! Voam. "
Murilo Mendes
in Poliedro
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
Murilo Mendes
[...] Penso que todos os homens possuem o germe da poesia. Nem todos, porém, sabem ou podem comunicar a poesia em forma persuasiva. A missão particular do poeta consiste em desvendar o território da poesia, nomeando as coisas criadas e imaginadas, instalando-as no espaço da linguagem, conferindo-lhes uma dimensão nova.
Além de recorrer ao seu tesouro pessoal, à sua vivência, o poeta se inspira no inconsciente coletivo, rico em símbolos, imagens e mitos. Da linguagem universal extrai a sua linguagem específica. A linguagem, ao mesmo tempo que informa o poeta, revela-lhe sua fisionomia pessoal.
Resumindo, pode-se dizer que a operação poética é baseada em linguagem, afetividade e engenho construtivo. O poeta escreverá, portanto, para manifestar suas constelações próprias.
Murilo Mendes
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