sexta-feira, 5 de novembro de 2010

CECILIA MEIRELES

'Anatomia'




É triste ver-se o homem por dentro:

tudo arrumado, cerrado, dobrado

como objetos num armário.





A alma, não.





É triste ver-se o mapa das veias,

e esse pequeno mar que faz trabalhar seus rios

como por obscuras aldeias

indo e vindo, a carregar vida, estranhos escravos.





Mas a alma?





É triste ver-se a elétrica floresta

dos nervos: para estrelas de olhos e lagrimas,

para a inquieta brisa da voz,

para esses ninhos contorcidos do pensamento.





E a alma?





É triste ver-se que de repente se imobiliza

esse sistema de enigmas,

de inexplicado exercício,

antes de termos encontrado a alma.





Pela alma choramos.

Procuramos a alma.

Queríamos alma.





Agosto, 1959







Cecília Meireles

In: O Estudante Empírico (1959-1964)

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