quinta-feira, 24 de março de 2011

Rainer Maria Rilke

DANÇARINA ESPANHOLA






Como um fósforo a arder antes que cresça

a flama, distendendo em raios brancos

suas línguas de luz, assim começa

e se alastra ao redor, ágil e ardente,

a dança em arco aos trêmulos arrancos.



E logo ela é só flama, inteiramente.



Com um olhar põe fogo nos cabelos

e com arte sutil dos tornozelos

incendeia também os seus vestidos

de onde, serpentes doidas, a rompê-los,

saltam os braços nus com estalidos.



Então como se fosse um feixe aceso,

colhe o fogo num gesto de desprezo,

atira-o bruscamente no tablado

e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,

a sustentar ainda a chama viva.

Mas ela, do alto, num leve sorriso

de saudação, erguendo a fronte altiva,

pisa-o com seu pequeno pé preciso.





A PANTERA



(No Jardin des Plantes, Paris)



De tanto olhar as grades seu olhar

esmoreceu e nada mais aferra.

Como se houvesse só grades na terra:

grades, apenas grades para olhar.



A onda andante e flexível do seu vulto

em círculos concêntricos decresce,

dança de força em torno a um ponto oculto

no qual um grande impulso se arrefece.



De vez em quando o fecho da pupila

se abre em silêncio. Uma imagem, então,

na tensa paz dos músculos se instila

para morrer no coração.





O POETA



Já te despedes de mim, Hora.

Teu golpe de asa é o meu açoite.

Só: da boca o que faço agora?

Que faço do dia, da noite?



Sem paz, sem amor, sem teto,

caminho pela vida afora.

Tudo aquilo em que ponho afeto

fica mais rico e me devora.

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