Alguma coisa que é insubornável...
Na juventude, já grande amigo do escritor Fernando Sabino, Hélio Pellegrino lhe escreveu a seguinte mensagem:
“O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome.”
ALGUMA COISA
Para Guilhermo César
Alguma coisa resta: um gesto
nos tendões da mão engelhada.
Uma efusão inacabada
na ferrugem da pele-resto.
Alguma coisa que é da raça
dos minerais, insubornável,
além do amargo e do caroável,
do que perdura – e do que passa.
Alguma coisa inscrita: um grito
no fulgor do dedo anular.
Um puro incêndio sem queimar,
- como um segredo afinal dito.
Porto Alegre, 8/11/86
Hélio Pellegrino
In: Minérios Domados
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