terça-feira, 22 de março de 2011

Hermann Hesse

ritmo Hesse


A noite





Rescende a flor na várzea,

longínqua flor da infância

que só de raro em raro ao sonhador

abre o velado cálice

e deixa ver – cópia do sol – seu interior.

Por cima das cordilheiras azuis

cega a noite vagueia

puxando sobre o seio a veste escura:

sorrindo esparze a esmo

sua dádiva – o sonho.

Curtidos pelo dia, em baixo dormem

os homens: têm os olhos

cheios de sonhos,

alguns viram o rosto suspirando

para as flores da infância

cujo aroma os atrai de leve na penumbra,

e ao severo chamado paternal do dia

confortados se alheiam.

Para o exausto, é um alívio

refugiar-se nos braços da mãe

que os cabelos do sonhador alisa

com mãos despreocupadas.

Somos crianças, logo nos fatiga o sol

- ainda que seja para nós destino e futuro sagrado –

e tombamos a cada anoitecer

pequeninos de novo no regaço da mãe,

balbuciamos palavras da infância,

palpamos o caminho do regresso às origens.

Também o pesquisador solitário

que para o vôo ao sol se propusera

vacila, também ele, à meia-noite

voltado para o ponto de partida longe.

E o que dorme, quando um pesadelo o desperta,

confusa a alma, pressente no escuro

a hesitante verdade:

toda corrida, para o sol ou para a noite,

conduz à morte, leva a novo nascimento,

dores que a alma receia.

Mas seguem todos o mesmo caminho:

todos morrem e tornam a nascer,

porque a eterna mãe

devolve-os eternamente ao dia.





Hermann Hesse

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