segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Anderson Braga Horta




Anderson Braga Horta

CERÂMICA

Montículo de argila,
de híspidos pêlos vegetais tufado.
Rude, entretanto modelado.
Um subterrâneo orvalho
mina-lhe à superfície, fontanando-a.
Tênue gêiser, solfatara.
Brilha nos olhos minerais um frio.
E move-se, mágica cerâmica!
e se ergue, semovente
barro cozido ao sol!

Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)

PROTOFLAMA

Na argila dos pântanos
palpita
premonitória luz
invisa.

Mais que reflexo, a luz que brilha
no barro:
chama, secreta chama, protoflama
de uma alma.

Nela se insculpem, futuras,
as formas,
as áureas formas: na semente a árvore
remota.

Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)


TREVALUME

Grita-se “Homem à Terra!” e ninguém não acode.
Diluídos no sem-fim do inexistir, os deuses.
Quem ouve? Quem não pode. E grita? Quem se morre.
Solidão! solidão dos cardumes nas redes!

O Homem donde vem? Caiu donde não era.
Para onde vai? Não sabe. E o que deseja? A volta.
Que trouxe? Um sol que ardeu futuro antes da queda
e que é feito de cinza (e fora lume outrora?).

Que leva? Uma saudade anterior de incêndio.
Ou uma canção sem voz? Ou uma luz que se coalha
no coágulo maior das grossas trevas, rocha?

Anoitece? amanhece? ele perplexo baila
da garupa de um ai ao cavo de um silêncio,
sem ver donde praonde a treva se desloca.

Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
NÓS, O HOMEM

Mineiro noturno, escavo
minhas minas de angústia.
Uma luz na testa —
um caminho, antolhos, parede de pedra.
Uno e múltiplo,
solidário e solitário, respiro
pó e treva. E esperança.
Escavo a terra,
mas de mim mesmo extraio as minhas gemas.
Elas brilham no escuro,
iluminam meus medos e meus tédios,
minha força e minha fé.
Ajo e contemplo-me.
Escavo, escravo: de antever-me
lavado em névoas matutinas.
E vou, retórico e despido,
a caminho de mim.

Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)

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