quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Victor Oliveira Mateus

Para uma leveza possível II



Creio na finita circularidade do tempo.
Creio nas coisas nele desenhadas, nas que
o circundam, nas que o acrescentam e, ainda,
naquelas que um dia foram e hoje subsistem
em forma de mágoa ou de ternura farta
e irrepetível. Creio neste terraço: soalheiro,

carcomido pelo uso, aberto a uma vastidão
que intuo mas não explico. Creio no frémito
dos pássaros, ao fundo, por entre os castanheiros
e a auto-estrada que hoje à cidade me não leva.
Creio no serpentear das vespas no meio do verde
com seus aguilhões açulados, suas danças

enfeitiçadas, sua indiferença quase humana
tão à margem de tudo. Creio na lustrosa lousa
onde me apoio, luminária quase extinta para
o subtil enfeite das palavras. Aquelas com
que vejo, com que penso, com que escrevo;
aparentemente as mesmas, mas sempre

em desacerto: chocalhar de falho siso
na infindável desordem do mundo. Creio
na capacidade de nos transformarmos,
a partir de dentro, por um ousado valer
a pena. E creio, por fim, nesta insustentável
leveza, a evolar-se, difusa – território
de abandono, trajecto de recusa.


Victor Oliveira Mateus

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