segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Cecília Meireles

Por aqui vou sem programa, sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama é vário,
como o trajeto do fumo.

Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse, em vez da canção, teu braço!

Ah! mas logo ali adiante - tão perto!- acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante, decerto, é melhor ir só com ela.

(Isto são coisas que digo, que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)

Cecília Meireles
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TRÊS ORQUÍDEAS



As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.
Elas são alvas, toda pureza,
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.

Que dia? que dia? dói-me a sua brevidade.
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o terno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.

As três orquídedas brancas eu sonharia que durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.
Que elas não vêem o mundo, que o muno as visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento.
E apira sobre elas a gentileza igualmente frágil,
a gentlileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.

Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,
que escrevo para perdurares em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.


Cecília Meireles
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CANÇÃO MÍNIMA


No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.



Cecília Meireles
Publicado no livro "Antologia Poética" de l.963

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EPIGRAMA N°5


Gosto da gota d'água que se equilibra
na folha rasa, tremendo ao vento.

Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra:
e ela resiste, no isolamento.

Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto:
pronto a cair, pronto a ficar - límpido e exacto.

E a folha é um pequeno deserto
para a imensidade do acto.



Cecília Meireles,
Viagem

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INSCRIÇÃO


Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança,em cada lugar.
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.


Cecília Meireles

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