segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Amálio Pinheiro

POEMA

Ébrio de seios, incerto de contornos,
vou cortando a segunda-feira
com meus dentes cerrados.

Vou contra os ossos da tarde
como um bêbado vai contra seus muros
como a alma procura suas tábuas
como a terra buscando seus enterros.

Acaricio as lâminas da vida,
sou gumes cortando o meio-dia,
vou contra os esqueletos da tarde:
sou vento sul, latido, chuva miúda,
meus dentes beijam lápides e facas
e ferrugens e azinhavres tristes de cozinha.

(Beijos como cotovelos cansados
que sangram nas amuradas tardias.
Beijos a golpes, beijos contra.
Beijos dente a dente, como morder
um bom pedaço de história,
ou descobrir um fóssil com um signo.
Como ir-se de encontro às pedras
mais de dentro, pisando as ternuras.
Como escutar a alma se chocando
osso a osso, contra as paredes do tempo.)


Amálio Pinheiro
(de "Tempo solto", 1972)

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