As rosas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in"Cem Poemas De Sophia"
domingo, 7 de novembro de 2010
Vergílio Ferreira
Que Há para Lá do Sonhar?
Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.
Mas que há para lá do sonhar?
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.
Mas que há para lá do sonhar?
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
André Malraux -FRAGMENTO
O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.
«Tchen recordou-se de Gisors: "À beira da morte, uma tal paixão aspira transmitir-se...". De súbito, compreendeu. Suan também compreendia:
- Tu queres fazer do terrorismo uma espécie de religião?
A exaltação de Tchen tornava-se maior. Todas as palavras eram vazias, absurdas, impotentes, para exprimir o que queria deles.
- Não uma religião. O sentido da vida. A... posse completa de si próprio. Total. Absoluta. A única. Saber. Não procurar, constantemente, ideias e deveres. Há uma hora que já não sinto coisa alguma de que pesava sobre mim. Estão a ouvir? Nada.
Agitava-o uma tal exaltação que já não procurava convencê-los, senão falando-lhes de si:
- Estou de posse de mim próprio. Mas nem uma ameaça, nem uma angústia, como sempre. Dominado, apertado, como esta mão aperta a outra (apertava-a com toda a força). Ainda não basta, como...
Apanhou do chão um dos bocados de vidro da lanterna quebrada. (...) Com um gesto, enterrou-o na coxa. A sua voz entrecortada estava penetrada de uma certeza selvagem, mas parecia muito mais dominar a sua exaltação do que ser dominado por ela. Nada louco. Os outros dois mal o viam já e, contudo, ele enchia o compartimento. (...)
- Pelos nossos, nada podes fazer de melhor que decidir-te a morrer. Nenhum homem pode ser tão eficaz como aquele que assim escolheu.»
«-... Não acha que é de uma estupidez característica da espécie humana que um homem que só tem uma vida possa perdê-la por uma ideia?
- É muito raro que um homem possa suportar, como hei-de dizer, a sua condição de homem.
Pensou numa das ideias de Kyo: tudo aquilo porque os homens aceitam deixar-se matar, para além do interesse, tende mais ou menos confusamente a justificar essa condição, fundamentando-a na dignidade: cristianismo para o escravo, nação para o cidadão, comunismo para o operário. (...)
- É sempre preciso intoxicarmo-nos: este país com o ópio, o Islão com o haxixe, o Ocidente com a mulher... Talvez o amor seja sobretudo o meio que o ocidental emprega para se libertar da sua condição de homem...»
André Malraux (1901-1976)
excerto de A Condição Humana
«Tchen recordou-se de Gisors: "À beira da morte, uma tal paixão aspira transmitir-se...". De súbito, compreendeu. Suan também compreendia:
- Tu queres fazer do terrorismo uma espécie de religião?
A exaltação de Tchen tornava-se maior. Todas as palavras eram vazias, absurdas, impotentes, para exprimir o que queria deles.
- Não uma religião. O sentido da vida. A... posse completa de si próprio. Total. Absoluta. A única. Saber. Não procurar, constantemente, ideias e deveres. Há uma hora que já não sinto coisa alguma de que pesava sobre mim. Estão a ouvir? Nada.
Agitava-o uma tal exaltação que já não procurava convencê-los, senão falando-lhes de si:
- Estou de posse de mim próprio. Mas nem uma ameaça, nem uma angústia, como sempre. Dominado, apertado, como esta mão aperta a outra (apertava-a com toda a força). Ainda não basta, como...
Apanhou do chão um dos bocados de vidro da lanterna quebrada. (...) Com um gesto, enterrou-o na coxa. A sua voz entrecortada estava penetrada de uma certeza selvagem, mas parecia muito mais dominar a sua exaltação do que ser dominado por ela. Nada louco. Os outros dois mal o viam já e, contudo, ele enchia o compartimento. (...)
- Pelos nossos, nada podes fazer de melhor que decidir-te a morrer. Nenhum homem pode ser tão eficaz como aquele que assim escolheu.»
«-... Não acha que é de uma estupidez característica da espécie humana que um homem que só tem uma vida possa perdê-la por uma ideia?
- É muito raro que um homem possa suportar, como hei-de dizer, a sua condição de homem.
Pensou numa das ideias de Kyo: tudo aquilo porque os homens aceitam deixar-se matar, para além do interesse, tende mais ou menos confusamente a justificar essa condição, fundamentando-a na dignidade: cristianismo para o escravo, nação para o cidadão, comunismo para o operário. (...)
- É sempre preciso intoxicarmo-nos: este país com o ópio, o Islão com o haxixe, o Ocidente com a mulher... Talvez o amor seja sobretudo o meio que o ocidental emprega para se libertar da sua condição de homem...»
André Malraux (1901-1976)
excerto de A Condição Humana
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Yttérbio Homem de Siqueira
'SALMO DO INSTANTE IV'
Momento, cor sem essência ,
resumido em larga dispersão.
Sobra de outros sonhos
impossíveis à nossa lentidão.
Fulcro da vida, ergue-se no espaço
desatinado. Logo mais declina
em profundo arquejo de cansaço.
Momento, um leve rastro apenas
desse lampejo cósmico pertinaz
que é o tempo em plena floração.
Yttérbio Homem de Siqueira
em Abismo Intacto -1.983
Momento, cor sem essência ,
resumido em larga dispersão.
Sobra de outros sonhos
impossíveis à nossa lentidão.
Fulcro da vida, ergue-se no espaço
desatinado. Logo mais declina
em profundo arquejo de cansaço.
Momento, um leve rastro apenas
desse lampejo cósmico pertinaz
que é o tempo em plena floração.
Yttérbio Homem de Siqueira
em Abismo Intacto -1.983
CECILIA MEIRELES
'Anatomia'
É triste ver-se o homem por dentro:
tudo arrumado, cerrado, dobrado
como objetos num armário.
A alma, não.
É triste ver-se o mapa das veias,
e esse pequeno mar que faz trabalhar seus rios
como por obscuras aldeias
indo e vindo, a carregar vida, estranhos escravos.
Mas a alma?
É triste ver-se a elétrica floresta
dos nervos: para estrelas de olhos e lagrimas,
para a inquieta brisa da voz,
para esses ninhos contorcidos do pensamento.
E a alma?
É triste ver-se que de repente se imobiliza
esse sistema de enigmas,
de inexplicado exercício,
antes de termos encontrado a alma.
Pela alma choramos.
Procuramos a alma.
Queríamos alma.
Agosto, 1959
Cecília Meireles
In: O Estudante Empírico (1959-1964)
É triste ver-se o homem por dentro:
tudo arrumado, cerrado, dobrado
como objetos num armário.
A alma, não.
É triste ver-se o mapa das veias,
e esse pequeno mar que faz trabalhar seus rios
como por obscuras aldeias
indo e vindo, a carregar vida, estranhos escravos.
Mas a alma?
É triste ver-se a elétrica floresta
dos nervos: para estrelas de olhos e lagrimas,
para a inquieta brisa da voz,
para esses ninhos contorcidos do pensamento.
E a alma?
É triste ver-se que de repente se imobiliza
esse sistema de enigmas,
de inexplicado exercício,
antes de termos encontrado a alma.
Pela alma choramos.
Procuramos a alma.
Queríamos alma.
Agosto, 1959
Cecília Meireles
In: O Estudante Empírico (1959-1964)
CECILIA MEIRELES
Cantar
Cantar de beira de rio:
Agua que bate na pedra,
pedra que não dá resposta.
Noite que vem por acaso,
trazendo nos lábios negros
o sonho de que se gosta.
Pensando no caminho
pensando o rosto da flor
que pode vir, mas não vem
Passam luas - muito longe,
estrelas - muito impossíveis,
nuvens sem nada, também.
Cantar de beira de rio:
o mundo coube nos olhos,
todo cheio, mas vazio.
A água subiu pelo campo,
mas o campo era tão triste...
Ai!
Cantar de beira de rio.
Cecília Meireles
Cantar de beira de rio:
Agua que bate na pedra,
pedra que não dá resposta.
Noite que vem por acaso,
trazendo nos lábios negros
o sonho de que se gosta.
Pensando no caminho
pensando o rosto da flor
que pode vir, mas não vem
Passam luas - muito longe,
estrelas - muito impossíveis,
nuvens sem nada, também.
Cantar de beira de rio:
o mundo coube nos olhos,
todo cheio, mas vazio.
A água subiu pelo campo,
mas o campo era tão triste...
Ai!
Cantar de beira de rio.
Cecília Meireles
CECILIA MEIRELES
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
"Agora és livre, se ainda recordas."
Cecília Meireles
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
"Agora és livre, se ainda recordas."
Cecília Meireles
CECILIA MEIRELES
Constância do deserto
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Venho desde a adolescência
na mesma navegação.
- Por que mar de tanta ausência,
e areias brancas de tão
despovoada inconsistência,
de penúria e de aflição?
(Triste saudade que pensa
entre resposta e a intenção!)
Números de grande urgência
gritam pela exatidão:
mas a areia branca e imensa
toda é desagregação!
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Impossível, permanência.
Impossível, direção.
E assim por toda a existência
navegar, navegarão
os que têm por toda ciência
desencanto e devoção.
Cecília Meireles
in: Mar Absoluto
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Venho desde a adolescência
na mesma navegação.
- Por que mar de tanta ausência,
e areias brancas de tão
despovoada inconsistência,
de penúria e de aflição?
(Triste saudade que pensa
entre resposta e a intenção!)
Números de grande urgência
gritam pela exatidão:
mas a areia branca e imensa
toda é desagregação!
Em praias de indiferença
navega meu coração.
Impossível, permanência.
Impossível, direção.
E assim por toda a existência
navegar, navegarão
os que têm por toda ciência
desencanto e devoção.
Cecília Meireles
in: Mar Absoluto
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Roseana Murray
'Jogo da Verdade'
A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.
Roseana Murray
in ‘Pêra, Uva ou Maçã’(2005)
A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.
Roseana Murray
in ‘Pêra, Uva ou Maçã’(2005)
PAULOBONFIM
O Ar
Em nossa transparência
Os muros da carne.
Em nossa angústia
O vento rebelde.
Em nossa nuvem
O vôo do pássaro.
Em nossa fonte
A água invisível.
Em nossa árvore
A serpente do nada.
Somos o ar
Na torre das palavras.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
Som Distante
Em nossa transparência
Os muros da carne.
Em nossa angústia
O vento rebelde.
Em nossa nuvem
O vôo do pássaro.
Em nossa fonte
A água invisível.
Em nossa árvore
A serpente do nada.
Somos o ar
Na torre das palavras.
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
Som Distante
Maria Hilda de J. Alão
VERSOS QUE FIZ
Há versos que fiz de dores,
outros me inspirou a alegria.
Teço sofisticadas imagens
de luas no céu e no chão,
refletidas nas poças d’água
da fria chuva da madrugada.
Escrevi versos de desejo
fixando o olhar num retrato
e o pensamento no infinito,
nas horas em que o silêncio maciço
ondula diante dos meus olhos
lembrando ancas luxuriosas.
Ousei, fui mais atrevida,
versejei a partir dum sonho,
um corpo em repouso no leito
e uma boca a beijar-me o seio.
Cristalizei letras e vocábulos
do quebra-cabeça da linguagem
com eles construí poemas de fogo,
de presenças, de ausências
e de visão metafórica
do sono eterno da morte.
Mostrou-me, a musa, sombras,
vôos de feixes de luz,
aguçou meu exotismo,
desnudou meu erotismo
plasmando-o em cada palavra
dos versos que já fiz.
Maria Hilda de J. Alão
Há versos que fiz de dores,
outros me inspirou a alegria.
Teço sofisticadas imagens
de luas no céu e no chão,
refletidas nas poças d’água
da fria chuva da madrugada.
Escrevi versos de desejo
fixando o olhar num retrato
e o pensamento no infinito,
nas horas em que o silêncio maciço
ondula diante dos meus olhos
lembrando ancas luxuriosas.
Ousei, fui mais atrevida,
versejei a partir dum sonho,
um corpo em repouso no leito
e uma boca a beijar-me o seio.
Cristalizei letras e vocábulos
do quebra-cabeça da linguagem
com eles construí poemas de fogo,
de presenças, de ausências
e de visão metafórica
do sono eterno da morte.
Mostrou-me, a musa, sombras,
vôos de feixes de luz,
aguçou meu exotismo,
desnudou meu erotismo
plasmando-o em cada palavra
dos versos que já fiz.
Maria Hilda de J. Alão
Ana Hatherly
A minha vida é poética:
Paira entre a vaga mentira e a realidade.
O amor me acontece
Como as folhas às árvores,
E tão singularmente,
Que já nem sei se é natural à árvore ter folhas
Ou estar nua...
- Ana Hatherly –
Paira entre a vaga mentira e a realidade.
O amor me acontece
Como as folhas às árvores,
E tão singularmente,
Que já nem sei se é natural à árvore ter folhas
Ou estar nua...
- Ana Hatherly –
Paulo Leminski
Plena pausa
Lugar onde se faz
o que já foi feito,
branco de página,
soma de todos os textos,
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta.
Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto."
Paulo Leminski
Lugar onde se faz
o que já foi feito,
branco de página,
soma de todos os textos,
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta.
Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto."
Paulo Leminski
Anderson Braga Horta
Anderson Braga Horta
CERÂMICA
Montículo de argila,
de híspidos pêlos vegetais tufado.
Rude, entretanto modelado.
Um subterrâneo orvalho
mina-lhe à superfície, fontanando-a.
Tênue gêiser, solfatara.
Brilha nos olhos minerais um frio.
E move-se, mágica cerâmica!
e se ergue, semovente
barro cozido ao sol!
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
PROTOFLAMA
Na argila dos pântanos
palpita
premonitória luz
invisa.
Mais que reflexo, a luz que brilha
no barro:
chama, secreta chama, protoflama
de uma alma.
Nela se insculpem, futuras,
as formas,
as áureas formas: na semente a árvore
remota.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
TREVALUME
Grita-se “Homem à Terra!” e ninguém não acode.
Diluídos no sem-fim do inexistir, os deuses.
Quem ouve? Quem não pode. E grita? Quem se morre.
Solidão! solidão dos cardumes nas redes!
O Homem donde vem? Caiu donde não era.
Para onde vai? Não sabe. E o que deseja? A volta.
Que trouxe? Um sol que ardeu futuro antes da queda
e que é feito de cinza (e fora lume outrora?).
Que leva? Uma saudade anterior de incêndio.
Ou uma canção sem voz? Ou uma luz que se coalha
no coágulo maior das grossas trevas, rocha?
Anoitece? amanhece? ele perplexo baila
da garupa de um ai ao cavo de um silêncio,
sem ver donde praonde a treva se desloca.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (197 17 out excluir Nan
NÓS, O HOMEM
Mineiro noturno, escavo
minhas minas de angústia.
Uma luz na testa —
um caminho, antolhos, parede de pedra.
Uno e múltiplo,
solidário e solitário, respiro
pó e treva. E esperança.
Escavo a terra,
mas de mim mesmo extraio as minhas gemas.
Elas brilham no escuro,
iluminam meus medos e meus tédios,
minha força e minha fé.
Ajo e contemplo-me.
Escavo, escravo: de antever-me
lavado em névoas matutinas.
E vou, retórico e despido,
a caminho de mim.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
CERÂMICA
Montículo de argila,
de híspidos pêlos vegetais tufado.
Rude, entretanto modelado.
Um subterrâneo orvalho
mina-lhe à superfície, fontanando-a.
Tênue gêiser, solfatara.
Brilha nos olhos minerais um frio.
E move-se, mágica cerâmica!
e se ergue, semovente
barro cozido ao sol!
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
PROTOFLAMA
Na argila dos pântanos
palpita
premonitória luz
invisa.
Mais que reflexo, a luz que brilha
no barro:
chama, secreta chama, protoflama
de uma alma.
Nela se insculpem, futuras,
as formas,
as áureas formas: na semente a árvore
remota.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
TREVALUME
Grita-se “Homem à Terra!” e ninguém não acode.
Diluídos no sem-fim do inexistir, os deuses.
Quem ouve? Quem não pode. E grita? Quem se morre.
Solidão! solidão dos cardumes nas redes!
O Homem donde vem? Caiu donde não era.
Para onde vai? Não sabe. E o que deseja? A volta.
Que trouxe? Um sol que ardeu futuro antes da queda
e que é feito de cinza (e fora lume outrora?).
Que leva? Uma saudade anterior de incêndio.
Ou uma canção sem voz? Ou uma luz que se coalha
no coágulo maior das grossas trevas, rocha?
Anoitece? amanhece? ele perplexo baila
da garupa de um ai ao cavo de um silêncio,
sem ver donde praonde a treva se desloca.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (197 17 out excluir Nan
NÓS, O HOMEM
Mineiro noturno, escavo
minhas minas de angústia.
Uma luz na testa —
um caminho, antolhos, parede de pedra.
Uno e múltiplo,
solidário e solitário, respiro
pó e treva. E esperança.
Escavo a terra,
mas de mim mesmo extraio as minhas gemas.
Elas brilham no escuro,
iluminam meus medos e meus tédios,
minha força e minha fé.
Ajo e contemplo-me.
Escavo, escravo: de antever-me
lavado em névoas matutinas.
E vou, retórico e despido,
a caminho de mim.
Anderson Braga Horta
In Exercícios de Homem (1978)
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