sábado, 11 de abril de 2009

coletânea - Paulo Bonfim


O Ar



Em nossa transparência
Os muros da carne.

Em nossa angústia
O vento rebelde.

Em nossa nuvem
O vôo do pássaro.

Em nossa fonte
A água invisível.

Em nossa árvore
A serpente do nada.

Somos o ar
Na torre das palavras.



Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7
Som Distante

Pela janela aberta para o céu de estrelas,
Penetrou, pelo meu quarto adentro,
O rumor de um corpo que é lançado ao mar!
A eleita de meus sonhos
Teve por última morada
O fundo do Oceano!

Seus cabelos loiros são agora
Mensagens da luz do sol
No abismo das águas.
Seu corpo, muito branco,
Quando livrar-se da mortalha
Que os marinheiros rudes coseram,
Será, na imensa noite oceânica,
Um raio de luar a percorrer abismos.

A eleita de meus sonhos
Teve por última morada
O fundo do Oceano!
Os bancos submersos de corais,
As esverdeadas águas,
Hão de invejar seus lábios rubros
E a cor de seus olhos verdes;
Suas mãos espirituais
Serão estrelas de cinco pontas
Correndo o mundo das águas.

Um corpo amortalhado foi lançado ao mar!
Algo de estranho passou dentro de mim!
Pois sinto-me afastado para sempre
Do círculo vicioso da Esperança!


In: BOMFIM, Paulo. Antônio Triste. Pref. Guilherme de Almeida. Il. Tarsila do Amaral. São Paulo: Martins, 1946
Soneto XVII


[Noites que são galeras cor do tempo]


Noites que são galeras cor do tempo:
Velas de sombra pousam na paisagem,
E o silêncio desperta outro silêncio,
Nos mudos tripulantes que hoje somos!

Noites que são galeras cor da morte:
Quilhas de ônix e grandes remos de ébano,
Revolvem singraduras de luar
No mar atormentado de lembranças!

Noite que são galeras cor do espaço:
Grandes barcos de treva carregados
De abismos e de pétalas de luz!

Noites que são galeras que não voltam:
Um dia chegaremos ao refúgio
Das naus transfiguradas em passado!


Poema integrante da série Sonetos Branco.
In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955
XXIII
[A linguagem do eterno]


A linguagem do eterno
Principia no efêmero.
Em nosso mar
A intuição é pérola.


Poema integrante da série Prelúdios de Inverno.
In: BOMFIM, Paulo. Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955
"AI DAQUELES"



Ai daqueles que brincam com a esperança de um povo!
Ai daqueles que se banqueteiam junto à fome de seus irmãos!

Ai daqueles que são fúteis numa hora grave,
Indiferentes num momento definitivo!

Ai daqueles que fazem da mentira a verdade de suas vidas!
Ai daqueles que usam os simples como degraus de sua vaidade
e instrumento de sua ambição!

Ai daqueles que fabricam com a violência a trama do medo!

Ai daqueles que usam o dinheiro para prostituir,
humilhar e deformar!

Ai daqueles que se atordoam
para fugir das próprias responsabilidades!

Ai daqueles que traficam a terra de seus mortos enxovalham
tradições e traem compromissos com o presente e com o futuro!

Ai daqueles que se fazem de fracos no instante da tempestade!
Ai daqueles que se acomodam a tudo, que se resignam a tudo,
que se entregam sem lutar!

Ai daqueles que loteiam seus corações, alugam suas consciências,
transacionam com a honra,
especulam com o bem, açambarcam a
felicidade alheia e erguem virtudes falsas sobre pântanos!

Ai daqueles que concordam em morrer vivos!


PAULO BONFIM
ARMORIAL, XI



Por certo hei de cantar esquecimento
Manhãs paulistas onde sou raízes...
Recordações ondulam neste campo
Onde o vento conduz a minha história.

Por certo nascerei em cada folha
Sonhada na madeira das canoas,
E minhas penas brilharão na fronte
De astrais caciques conduzindo noites.

Por certo cantarei pegadas mortas,
Marcando em minha carne seus caminhos
Desbravados em células remotas...

Que estes versos queimados de horizonte,
Falem dialetos puros e selvagens,
Nas manhãs mamelucas que hoje canto.


Paulo Bonfim
SONETO I


No ramo a flor será sempre segredo
Moldando realidades no vazio,
Caminho de perfume, rosa e estio,
Crescendo além dos roseirais do medo.

Histórias das raízes sem enredo ...
Rolam frases de terra pelo rio,
As consoantes de luz tremem de frio
E as vogais orvalhadas morrem cedo.

No ramo a flor será sempre futuro,
Haste e corola nos confins do sonho,
Marcando de infinito a cor do muro ...

Sempre a cor sobre a senda debruçada,
E o perfume crescendo onde reponho
O sentido da flor despetalada.


Paulo Bomfim –
in Sonetos – l.959 - 24/05/08 Maria Madalena
SONETO II


O livro que hoje escrevo foi escrito
Em outro plano estático e diverso,
Sei que morro no fim de cada verso
E renasço no início de outro mito.

Em cada letra tinta de infinito
Há um diálogo mudo que converso
Com nebulosas de meu universo
Onde nasceu a página que dito.

Sei que sou neste instante o que já fui,
E aquilo que recebo agora flui
De um campo superior onde me deito.

Durmo além, nessa plaga que recordo;
Só escrevo neste plano onde hoje acordo,
Aquilo que ainda sonho no outro leito.


Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 24/05/08 Maria Madalena
SONETO III


Nascer do verso puro e correntio,
Brotar da fonte feita de miragem,
Sentir que em nós, outros espectros agem
Vivendo em nossa pele de arrepio.

Rolar no próprio espanto a voz do rio
Sumindo em chão secreto da mensagem,
Saber que os olhos são também paisagem
Vista de além do céu perdido e frio.

Nascer em cada sopro de universo,
Ser alma navegando o som do verso
Em sílabas de espelho pelo porto.

Chorarmos vida no destino morto;
Sabendo que esse pranto assim convulso
É o tema que hoje bate em nosso pulso.


Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 - 29/05/08 Maria Madalena
SONETO IV


Onde guardar a esquiva luz dos fastos
Escritos no papiro das areias?
Longe é o mar, canto verde de sereias,
Mais longe é o tempo com seus campos vastos.

Que memória retém minutos castos
Que a vida foi prendendo em suas teias,
Hoje que a morte passa em nossas veias
Trilhando o sangue dos caminhos gastos!

Agora que as memórias esquecidas
São pássaros batendo asas de fumo
Na sombra que anuncia despedidas ...

Agora, nuvem triste em sol deposto,
Onde guardar a esquiva luz de um rumo,
Se a vida anoitece em nosso rosto!


Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO V


Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.

É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.

Que emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.

Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
E, em lucidez, serei minha loucura.


Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO VI


Sei que fui viandante, o mar, os olhos
Da noite que hoje mora nos cabelos,
Fechei meus passos com noturnos selos
E em desenhos nublados fiz meus sólios.

Sei que sou maresia nos escolhos
Unindo além do sal de tantos elos
Ilhas e continentes, sem perdê-los
Na areia, nas palavras, nos abrolhos.

Sei que seria a vida renascida
Das ondas verdes que já não se espraiam
Na página de sombra já relida.

Sei que serei aquele que convence o
Espanto das estrelas que desmaiam
E acordam transformadas em silêncio.


Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 – 30/05/08 Maria Madalena
SONETO VII


Deixa que eu seja o mar unicamente,
Sem praias, sem montanhas de alegria;
- Corta-me os tubos de ar da noite fria,
E não roubes de mim o sal ardente.

Se as ilhas já cantei antigamente,
Hoje canto os segredos sem o dia,
As cavernas de sombra e maresia,
Os céus de espuma desta vida ausente.

Crescendo-me nos pés as nadadeiras,
Leve-me ao fundo de meu próprio mal
A carne destas ondas companheiras ...

Então, nas águas onde tu me deixes,
Pensarei escafandros de cristal,
E as guelras, e as escamas de meus peixes.


Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 - 12/06/08 Maria Madalena
SONETO VIII


Este crescer constante das paredes
Onde guardo retratos do infinito,
As tintas apagadas de meu grito
E os lábios de papel bebendo sedes;

Tetos que vão fugindo, onde não credes
Possam viver lanternas de granito,
Luzes astrais surgidas de outro mito
Pescado nas escamas de outras redes;

Paredes que plantei em chãos de outrora,
Onde a paisagem era o fim e o centro,
E as portas davam nos confins da aurora ...

Sei que o teto me foge como as naves:
Agora que se apaga a voz de dentro,
A vida emigra na canção das aves.


Paulo Bomfim
in Sonetos – l.959 –

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