sábado, 26 de maio de 2012
Wender Montenegro
HUMANO DEMAIS
Somos pedaços de Deus
sob o signo do tempo,
corpo de luz esvaído
ao frágil sopro das horas,
borboleta encarcerada
na inércia dos casulos.
Somos o verbo inflamado
que nem se sabe murmúrio.
Sísifos de eras modernas,
divisamos, consternados,
a queda sem-fim dos dias.
Somos ribalta em penumbra,
flor de luto, fogo-fátuo,
ar rarefeito, centelha
que ignora e traz em si
a essência da fogueira.
Alimárias do universo,
erguemos, inconseqüentes,
o fardo livre do arbítrio.
Somos migalhas do eterno,
ouro vulgar de Eldorado,
mirante entre turbilhões,
luz em mãos de moribundo,
face-mistério da lua.
Bando de pássaros mudos
que ao toque do Ângelus fere
um céu sedento de canto,
somos razão em delírio,
rastro de Halley, sol posto,
cenho ferido de morte,
água barrenta que esquece
o veio de onde jorrara.
Somos pedaços de Deus
sob o signo do tempo.
[poema de Wender Montenegro
sexta-feira, 25 de maio de 2012
CANTIGA
Não quebres o encanto
da palavra vida.
Deixa que a palavra
role assim perdida
como a própria sombra
dessa coisa-vida.
Deixa que seu canto
se prolongue ainda
sobre os mil segredos
desta tarde linda,
sobre o mar sereno,
sobre a praia infinda
Há tanto silêncio
tanta paz na vida
que nem mesmo o tempo
com sua arte erguida
roubará o encanto
da palavra vida.
Deixa que a palavra
ande assim perdida...
- Alguém docemente
pensará na vida.
Guilherme Mendonça Teles
In 'Sintaxe Invisível'
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